 "Dizer que entrei por cota manifestao racista, porque as pessoas que fazem isso no olham para o meu currculo. O cara s v a cor da pele" Em entrevista ao jornalista Roberto D’vila, da Globonews, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, classificou o Brasil como o pas dos “conchavos, do tapinha nas costas”, onde ocupantes dos trs poderes fazem “muitas brincadeiras” e no pensam nas conseqncias de suas decises. Foi a primeira entrevista exclusiva a uma TV concedida pelo ministro em seus quase 11 anos de Supremo. “O Brasil o pas dos conchavos, do tapinha nas costas, onde tudo se resolve na base da amizade. No o nada disso. s vezes, sou duro para mostrar que isso no faz o menor sentido numa grande democracia como a nossa. ns estamos entre as dez grandes democracias do mundo hoje, das mais slidas. Isto aqui no lugar pra brincadeira, se faz muita brincadeira no Brasil no mbito do Estado, dos trs Poderes. Muitas decises so tomadas superficialmente. No se pensa nas consequncias”, declarou. Na entrevista, exibida nesta madrugada, Joaquim descartou se candidatar nestas eleies a qualquer cargo eletivo. Mas itiu a possibilidade de entrar para a poltica algum dia. “Pode ser que sim, pode ser que no. Vai depender do meu humor nos anos que se seguiro minha sada do tribunal. As coisas vo acontecendo, sempre foi assim.” Clique aqui para assistir ntegra da entrevista Durante a entrevista, o ministro Joaquim Barbosa disse que o pas est adotando medidas erradas para combater a corrupo. Na avaliao dele, o Brasil tem de ser mais duro na preveno, ameaando o bolso, a carreira e o futuro de quem se aventura por esse tipo de prtica criminosa. “No quero justificar corrupo tupiniquim, mas ela est presente em todos os pases, em maior ou menor grau. Ainda no encontramos os mecanismos, a forma correta e eficaz de combat-la. Talvez estejamos adotando o mtodo errado.” Ele tambm contou que sofreu desgaste fsico, emocional e mental com o julgamento do mensalo e que, ao contrrio de seus crticos, considera brandas as penas aplicadas aos condenados. “Examino as penas aplicadas no mensalo com as aplicadas e chanceladas pelo Supremo nas turmas, relativas a pessoas comuns. Convido aqueles que criticam o Supremo por ter aplicado essas penas supostamente pesadas a fazer esse tipo de comparao. Vo verificar que o Supremo chancela, em habeas-corpus, penas muito mas muito pesadas, em coisas comparadas.” Primeiro negro a presidir o Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa disse que atribuir sua indicao corte a uma cota racial demonstrao de racismo por ignorar o seu currculo. Ele afirmou que ainda sente o preconceito racial e que j chorou, quando criana, por ser vtima de discriminao. “No acho que tenha vindo pra c com essa misso de combater o racismo. Sempre achei que minha presena aqui contribuiria para desracializar o Brasil, as relaes, para que as pessoas tivessem a sensao de que no h papel pr-determinado para A, B ou C. Espero que no dia que eu sair daqui, os presidentes da Repblica saibam escolher bem pessoas para c, que escolham negros com naturalidade.” Veja alguns dos principais pontos da entrevista: Poltica “Nunca tive participao poltica alguma. Sou um observador da cena poltica. De certa forma, participante j que ocupo a terceira posio no Estado brasileiro. No de forma militante, prefiro me manter alheio a quase tudo o que se a aqui nesta Praa dos Trs Poderes que tenha carter poltico.” “Recebo inmeras manifestaes de carinho, pedido de cidados comuns para que me lance nessa briga [candidatura], mas no me emocionei com a ideia ainda.” “Pode ser que sim, pode ser que no. Vai depender do meu humor nos anos que se seguiro minha sada do tribunal. As coisas vo acontecendo, sempre foi assim.” Corrupo “Talvez estejamos adotado mtodo errado. Venha refletindo sobre essa questo. tenho minhas dvidas se esse mtodo puramente repressivo o mais eficaz para combater a corrupo. talvez medidas preventivas drsticas que doam no bolso, na carreira, no futuro dessas pessoas que praticam corrupo sejam mais eficazes” “Por que permitir que uma pessoa com duas condenaes concorra aos cargos mais importantes. No se trata, nesse caso, de escolher funcionrios pblicos subalternos, mas aqueles que vo dirigir o pas. Juventude “Para os padres atuais, [meu pai rgido at demais. perteno a uma gerao de brasileiros que levava surra dos pais. j na gerao do meu filho, isso era inissvel.” Era um pouco rebelde, extremamente tmido. Considero que ainda sou tmido, mas perdi boa parte dessa timidez por volta dos 21, 22 anos, quando tive minha primeira experincia fora do pas. Voltei completamente mudado, mais confiante.” Temperamento O ministro Carlos Ayres Britto disse: ‘Joca o mineiro menos mineiro que eu vi na vida. Fala o que pensa, diz na cara’. No quero com isso negar minhas razes mineiras. O pouco contato que tive com esse modo de fazer mineiro me levou a isso. Me tornei uma mescla. Judicirio “No tenho viso muito tradicional do papel do Judicirio, acho que ela no existe mais hoje, no faz sentido, mas no sou favorvel a muitos arroubos, no sentido de o Judicirio usurpar as atribuies dos outros Poderes. Sempre tive posio aqui de meio-termo.” Conchavos “s vezes tem de ser [muito duro]. O Brasil o pas dos conchavos, do tapinha nas costas. onde tudo se resolve na base da amizade. No o nada disso. s vezes, sou duro para mostrar que isso no faz o menor sentido numa grande democracia como a nossa. ns estamos entre as dez grandes democracias do mundo hoje, das mais slidas. Isto aqui no lugar pra brincadeira, se faz muita brincadeira no Brasil no mbito do Estado, dos trs Poderes. Muitas decises so tomadas superficialmente. No se pensa nas consequncias.” Irritao no Supremo “No rdea curta. Sou companheiro inseparvel da verdade. No o essa histria de o sujeito ficar escolhendo palavrinhas muito gentis para fazer algo inaceitvel. Isso da nossa cultura. O sujeito est fazendo algo ilegal, inissvel, mas com belas palavras, com gentilezas mil. Longe de mim esse tipo de comportamento. Isso fonte de boa parte dos momentos de irritao que tenho aqui.” “No fao nada em carter pessoal, no.” Mensalo “O processo do mensalo trouxe desgaste muito grande, com carga poltica exagerada, poderosa, um pouco turbinada pela mdia tambm. Um processo que durou um tempo razovel. estou aqui h quase 11 anos, s neste processo foram quase sete. Isso consumiu boa parte das minhas energias no Supremo Tribunal Federal. Eu encarei com absoluta naturalidade. No encarei como um processo como outro. Era um processo que requeria planejamento, estratgia. Os que tiveram a oportunidade de observar, ao longo do processo de instruo do processo, raramente tomei decises unilaterais, sempre levei as questes mais delicadas ao plenrio. Isso era fruto de uma estratgia e planejamento. Foi um julgamento muito difcil.” “Muito desgaste fsico, emocional e mental. No se trata apenas de levar algo ali e julgar. Voc tem de convencer os seus colegas, a maneira mais adequada de abordar e demonstrar aquilo que voc estudou mais do que os outros.” [Legado do julgamento] Vai depender muito dos homens e mulheres que tero a responsabilidade pelo pas nos trs poderes. A eles, caber a tarefa de tirar as lies desse julgamento.” Carreira “Me sinto uma pessoa bastante afortunada. Ao contrrio do que dizem a meu respeito, essa histria de menino pobre, filho de um pedreiro, que ascendeu na vida. Acho tudo isso bobagem. Raras pessoas no Brasil, incluindo pobres e pessoas vindas da elite brasileira, rarssimas, tiveram e souberam aproveitar as oportunidades que eu tive. Estudar numa universidade boa como a UnB, estudar na Sorbonne e fazer curso relevante, no cosmtico. Ter o s grandes universidades como eu j tinha bem antes de chegar ao STF. No o fato de ter uma origem que faz com que isso chame ateno. Tem de ver na histria brasileira que teve essa oportunidade e soube aproveitar. No senti isso como superao. as coisas foram acontecendo naturalmente comigo.” Racismo “Voc sente sempre. Mesmo criana, mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal. Propus uma ao por racismo contra um jornalista brasileiro. Joaquim Nabuco disse que demorar talvez sculos para que o Brasil se livre, se desvencilhe das marcas da escravido. falta de honestidade intelectual dizer que o Brasil se livrou dessas marcas, elas esto presentes nas coisas mais comezinhas da nossa vida social. Basta dar uma volta nos corredores do Supremo ou de qualquer outra repartio pblica para ver a repartio dos papeis. Ao negro, tal posio, com salrio mais baixo, claro. medida que as posies vo aumentando de importncia, o negro vai sumindo.” “Jamais permiti que utilizassem minha presena aqui como exculpatria para o racismo no Brasil. O presidente Lula chamou-me quando era presidente, atravs do ministro de Relaes Exteriores, para viajar frica. Eu recusei porque, primeiro, no tradio da Casa viajar em comitivas da Presidncia. Segundo, porque percebi que aquilo era estratgia de marketing com os pases africanos.” “Quando era jovem, sim [chorei por sofrer racismo]. Quando voc se torna conhecido, autoridade, o tratamento outro. O racismo est em todas as esferas, ele no social, ele econmico, interfere nas relaes profissionais, nas relaes sociais das pessoas. H no Brasil certas pessoas com tendncia de minimizar o racismo. Pergunte a essa pessoa quantas vezes ela recebeu um negro na sua casa como convidado. Poucos vo ter essa resposta.” “No acho que tenha vindo pra c com essa misso de combater o racismo. Sempre achei que minha presena aqui contribuiria para desracializar o Brasil, as relaes, para que as pessoas tivessem a sensao de que no h papel pr-determinado para A, B ou C. Espero que no dia que eu sair daqui, os presidentes da Repblica saibam escolher bem pessoas para c, que escolham negros com naturalidade.” “Dizer que entrei por cota manifestao racista, porque as pessoas que fazem isso no olham para o meu currculo. Pouca gente olha para o meu currculo. No interessa. O cara s v a cor da pele. Espero que os presidentes nomeiem para c homens e mulheres negros de maneira natural, no faam estardalhao, no tentem levar pessoa para a frica a realidade muito triste de que no temos representantes negros na nossa diplomacia, nos negcios. O Brasil no tem como se apresentar de maneira diferente. Os pases africanos se ressentem muito disso. Como um pas com 40% da populao negra ou mulata, no consegue escolher diplomatas negros para a frica">Nosso jornalismo precisa da sua |