Manaus (AM) – Em um encontro significativo na tarde desta tera-feira, 25/03, no quartel-general do Comando Militar da Amaznia (CMA), o Comandante Militar da Amaznia, General de Exrcito Costa Neves, recebeu a ilustre visita do Cardeal Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo metropolitano de Manaus e o primeiro Cardeal da Amaznia.
Dom Leonardo Steiner, acompanhado do padre Danival Lopes e do Major Alex, Capelo do Comando Militar da Amaznia prestigiou a Banda do CMA que entoou a tradicional toada “Consagrao do Guerreiro”. Em seguida, o General Costa Neves compartilhou com o arcebispo os desafios inerentes atuao do Exrcito Brasileiro, especialmente em uma regio com a complexidade e a vastido da Amaznia. Foram abordadas as particularidades da regio e a importncia da presena das Foras Armadas para a segurana e o desenvolvimento local.
Ambas as instituies desempenham um papel crucial na regio, e a reunio estreita os laos com o objetivo comum de oferecer e, cada uma em sua esfera de atuao, comunidade militar e sociedade em geral. A presena do clero tambm se mostra fundamental para o apoio espiritual dos militares, fortalecendo seus valores e sua dedicao misso.
Conhecido por sua ativa participao em questes sociais e seu profundo vnculo com a realidade amaznica, Dom Leonardo Steiner compartilhou suas perspectivas e experincias com o Comandante, enriquecendo o dilogo e estreitando ainda mais os laos entre o CMA e a Arquidiocese de Manaus.
Comando Conjunto Catrimani II recebe visita do Chefe de Operaes Conjuntas do Ministrio da Defesa 3s1n6i
Comitivaacompanhou a atuao das Foras Armadas nas atividades de combateao garimpo ilegal e noapoio humanitrio na Terra Indgena Yanomami
Boa Vista (RR)– Nos dias 19 e 20 de maro de 2025, o Comando Conjunto Catrimani II recebeu a visita do Chefe de Operaes Conjuntas do Ministrio da Defesa (MD), Tenente-Brigadeiro do Ar Walcyr Josu de Castilho Araujo, e comitiva, com o objetivo de acompanhar a atuao das Foras Armadas nas atividades de combateao garimpo ilegal e noapoio humanitriona Terra Indgena Yanomami (TIY). A visita fornecer subsdios para o delineamento do futuro da Operao Catrimani II, nos nveis estratgico e poltico, em conjunto com demais rgos do Governo Federal envolvidos.
Alm do Chefe de Operaes Conjuntas, a comitiva foi composta peloSubchefe de Operaes doEstado-Maior Conjunto das Foras Armadas(EMCFA),Vice-Almirante Jos Cludio Oliveira Macedo, e por outras autoridades do MD. Durante o trajeto na TIY, estiveram nas Bases Temporrias de Kayana e Pakilapi, montadas especialmente para a Operao Catrimani II; no 4 Peloto Especial de Fronteira (4 PEF), em Surucucu; e no Destacamento Especial deFronteira(DEF) de Waiks.
A comitiva visitou, ainda, as instalaes da Casa de Governo em Boa Vista (RR). O Diretor, Nilton Tubino, apresentou s autoridades militares os avanos da Operao de Desintruso da TIY.
A Chefia de Operaes Conjuntas (CHOC) o rgo do Ministrio da Defesa que presta assessoria aoEstado-Maior Conjunto das Foras Armadas(EMCFA), por meio da coordenao de diretrizes de planejamento, execuo e acompanhamento de temas voltados ao preparo e emprego conjunto das Foras Armadas. Por intermdio da CHOC, efetivos da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica atuam de forma integrada em operaes militares de grande porte, na juno de esforos em torno de estratgias e objetivos, orientados pela Doutrina de Operaes Conjuntas.
COMANDO CONJUNTO CATRIMANI II
A Operao Catrimani II uma ao conjunta entre rgos de Segurana Pblica, Agncias e Foras Armadas, em coordenao com a Casa de Governo no Estado de Roraima, em cumprimento Portaria GM-MD N5.831, de 20 de dezembro de 2024, que visa agir de modo preventivo e repressivo contra o garimpo ilegal, os ilcitos transfronteirios e os crimes ambientais na TIY.
Fazer os criminosos pagarem pelo desmatamento ilegal da Amaznia e recuperarem o dano um dos principais desafios da Justia na rea ambiental. Um estudo do Imazon que analisou mais de 3,5 mil aes do Ministrio Pblico Federal (MPF) mostrou que as condenaes aumentaram, mas que apenas 5% delas resultaram em indenizaes pagas. Alm disso, no h garantia de que as multas quitadas sejam aplicadas no bioma.
A pesquisa acompanhou o resultado de aes civis pblicas (As) movidas pelo MPF entre 2017 e 2020, nas primeiras trs fases do Programa Amaznia Protege. Elas pedem a responsabilizao por desmatamento ilegal do bioma na esfera cvel, onde possvel cobrar indenizaes por danos materiais e morais e ainda determinar a recuperao da floresta. Essa uma das trs formas de responsabilizao por dano ambiental previstas na legislao brasileira, alm das esferas istrativa e criminal.
Foram analisadas 3.551 aes pelo estudo, que envolvem 265 mil hectares desmatados e pedem mais de R$ 4,6 bilhes em indenizaes. At dezembro de 2023, 2.028 aes (57% do total) tinham sentena, sendo 695 com algum tipo de responsabilizao. Elas se dividem em 640 aes julgadas procedentes, considerando decises aps o julgamento de recursos, quando juzes ou tribunais aceitaram pelo menos um dos pedidos de responsabilizao do MPF, e em 55 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), quando os responsveis pelo desmatamento ilegal se comprometeram a adotar medidas de reparao. Somadas, as condenaes e os TACs correspondem a 20% do total de processos e 34% das aes com sentenas. Punies aumentaram em relao a 2020
Apesar das condenaes no serem a maioria entre as decises, o dado representou um aumento nas responsabilizaes. Em um estudo anterior do Imazon, dos 3.551 processos analisados, apenas 650 (18%) tinham sentenas at outubro de 2020 e 51 delas foram procedentes. Ou seja: as condenaes correspondiam a 1% do total de aes e a 8% das sentenas. A maioria das decises pela responsabilizao dos desmatadores (449 casos) ocorreu aps outubro de 2020, especialmente em 2023, quando houve 241 sentenas procedentes.
Situao que melhorou no apenas a partir de novas decises em primeira instncia, mas tambm pelo julgamento de recursos. Conforme o estudo, tanto o Tribunal Regional Federal da 1 Regio (TRF1) quanto o Superior Tribunal de Justia (STJ) tm sido majoritariamente favorveis aos pedidos de responsabilizao do MPF.
“ positivo ver o aumento de casos procedentes para responsabilizao de desmatadores e que os tribunais tm mantido entendimento favorvel condenao nessas aes que utilizam provas obtidas de forma remota, com imagens de satlite e uso de banco de dados. O desafio agora obter o efetivo pagamento das indenizaes e a recuperao das reas que foram desmatadas”, afirma Brenda Brito, a pesquisadora do Imazon.
Embora as condenaes tenham aumentado, a maioria das sentenas (66%) ainda teve outros resultados mesmo aps o julgamento dos recursos. At dezembro de 2023, 860 (42% das sentenas) haviam sido extintas, quando a Justia entende que no h provas para uma ao; 268 (13%) julgadas improcedentes, quando todos os pedidos do MPF foram negados; 137 (7%) declinadas para Justia Estadual; e 68 (3%) anuladas, decises invalidadas que aguardam nova sentenas.
Essa predominncia das extines se deu principalmente at 2020 e por causa das aes com ru incerto, inovao jurdica do Amaznia Protege. Nesses casos, o MPF move processos devido a desmatamentos ilegais mesmo quando no foi possvel identificar o ru para que a Justia embargue a rea e impea qualquer uso econmico dela, o que pode combater a grilagem. Porm, em outubro de 2020, o STJ adotou entendimento favorvel continuidade de aes por ru incerto, o que tem levado ao aumento de casos desse tipo procedentes aps julgamentos de recursos. Indenizaes foram pagas em apenas 5% das condenaes
Apesar do avano nas punies, o cumprimento delas ainda muito baixo. Conforme a pesquisa, das 640 sentenas procedentes aps julgamento de recursos e dos 55 TACs firmados, que determinaram indenizaes de R$ 251,9 milhes, somente 37 (5%) tiveram as indenizaes quitadas. As dvidas pagas somam R$ 652,3 mil (0,5%) e se referem a trs sentenas e a 34 termos. Se considerar os casos que esto em fase de pagamento, com bloqueio em contas bancrias dos rus ou pagamento parcelado, esse percentual sobe para 8%.
E isso mesmo aps os juzes terem reduzido, em mdia, o valor solicitado pelo MPF. Segundo o estudo, nos processos onde foi possvel encontrar os valores iniciais e finais, houve reduo de 34% nas indenizaes por danos materiais (de R$ 11.304 para R$ 7.515 por hectare desmatado) e de 59% por danos morais coletivos (de R$ 5.616 para R$ 2.280 por hectare desmatado).
“O Protocolo para Julgamento de Aes Ambientais de 2024 do CNJ pode resolver esse problema, pois traz uma metodologia para quantificao do dano climtico decorrente do desmatamento. Por isso, recomendamos no estudo que o rgo dissemine essa orientao e organize treinamentos sobre ela”, sugere Hannah Farias, pesquisadora do Imazon. Destinao das indenizaes no garante aplicao na Amaznia
Outro problema identificado na pesquisa foi a falta de garantia da aplicao das indenizaes no bioma. Embora o MPF tenha solicitado a destinao dos valores aos rgos ambientais na maioria das aes, os fundos pblicos foram o destino majoritrio das sentenas, como o Fundo de Direitos Difusos e o Fundo Nacional de Meio Ambiente.
“Resolues e recomendaes do CNJ j permitem direcionar esses valores para atividades na Amaznia, o que seria o ideal. Por exemplo, com rees para instituies pblicas ou privadas sem fins lucrativos que realizem projetos de recuperao de vegetao nativa ou para o combate s queimadas. Para isso, os tribunais e o MPF precisam publicar editais de convocao para cadastro e anlise de projetos”, informa Brenda. Medidas podem agilizar e aumentar condenaes
Aps analisar tanto os argumentos usados pelo MPF na proposio das aes quanto dos juzes e tribunais nos julgamentos, a pesquisa recomenda medidas que podem agilizar e aumentar as condenaes. Uma das principais acabar com as sentenas improcedentes pela no aceitao de imagens de satlite ou de informaes de bancos de dados pblicos como provas, que continuaram mesmo aps jurisprudncia favorvel do STJ. Para isso, o estudo indica que o CNJ intensifique a disseminao dessa orientao e realize treinamentos nas comarcas que mais recebem esses processos.
As sentenas tambm precisam melhorar a forma de determinao da restaurao das reas desmatadas e da fiscalizao dessa obrigao.
“Um ponto importante no vincular mais os Projetos de Recuperao de reas Degradadas ou Alteradas (PRADs) exigidos nas sentenas necessidade de validao dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs), o que alm de atrasar a restaurao pode favorecer a grilagem caso CARs ilegais sejam aprovados”, alerta Brenda.
J para a fiscalizao dessa recuperao, a sugesto da pesquisa que o CNJ organize e disponibilize os dados georreferenciados das reas, para permitir seu monitoramento por sensoriamento remoto por diferentes organizaes.
Outra recomendao do estudo que os TACs sejam celebrados em documentos separados das atas de audincia, com descrio de todas as obrigaes, prazos e previso de multa em caso de descumprimento.
“Alm disso, importante que o MPF vincule em seu portal de transparncia o nmero do processo judicial ao procedimento interno de acompanhamento do TAC, para que o cumprimento dos acordos possa ser acompanhado pela sociedade civil”, ressalta Hannah.
No caso das aes com ru incerto, a orientao da pesquisa que o MPF, em vez de ingressar com vrios processos, agrupe diversas reas desmatadas em um s pedido para que os rgos fundirios e ambientais promovam o embargo delas. Atualmente, o Amaznia Protege est em sua quarta fase. Nesta etapa, o programa ou por aprimoramentos e ajuizou cerca de 193 aes entre novembro e dezembro de 2024.
Leia aqui o resumo executivo da pesquisa. Baixe o estudo completo aqui.
Paisagem fragmentada por desmatamento e silvicultura no interior de Minas Gerais. Foto: Fundao SOS Mata Atlntica / Divulgao
Um time internacional de cientistas aponta caminhos para reforar a conservao da biodiversidade aps resolver um dilema que se arrastava por dcadas. Tambm constataram que a fragmentao prejudica servios ecossistmicos e a luta contra a crise climtica planetria.
O modelo agropecurio e a legislao florestal converteram grande parte do territrio brasileiro numa colcha de retalhos, alternando lavouras, pastos e manchas isoladas de vegetao nativa. Mesmo nas margens de rios e de nascentes, essa inmeras vezes foi dilapidada.
Diante dessa catica paisagem, cientistas se perguntavam se a vida selvagem teria mais chances em mais fragmentos menores ou em menos parcelas maiores de florestas e outras formaes naturais. Quem pensou na segunda opo levou a melhor, mas a resposta veio aps muito esforo.
Pesquisadores do Brasil, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Austrlia, Sua, Mxico e Estados Unidos precisaram analisar 4.006 espcies de vertebrados, invertebrados e plantas em 37 pontos do mundo para comparar as diferenas de biodiversidade entre paisagens contnuas e desestruturadas.
Publicado na revista Nature Reviews Biodiversity, o estudo mostra que as paisagens fragmentadas tinham mais espcies generalistas – que podem sobreviver em ambientes variados -, 13,6% menos espcies quando pesados os fragmentos e 12,1% menos espcies quando observadas as paisagens.
Para concluir isso, os cientistas olharam para as diversidades “alfa, beta e gama” de cada regio analisada. A primeira e a segunda se referem respectivamente ao nmero e composio de espcies em manchas de vegetao, enquanto a ltima trata da biodiversidade numa paisagem toda.
“Pense em fragmentos de florestas que voc encontra ao dirigir entre plantaes agrcolas”, pede Nate Sanders, um dos autores do estudo e professor de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Michigan (Estados Unidos).
“Cada fragmento pode conter um punhado de espcies de pssaros (diversidade alfa), mas cada fragmento ter espcies diferentes de pssaros em comparao com o fragmento anterior (beta). A biodiversidade da paisagem toda com os fragmentos, ou mesmo de uma floresta contnua, a diversidade gama”, descreve.
Conforme seus autores, o pulo do gato do estudo foi melhor comparar paisagens fragmentadas a florestas grandes e contnuas. Isso no teria ocorrido em investigaes prvias, que focaram em apenas um componente da diversidade ou pesaram florestas contnuas com dezenas de fragmentos.
Assim, descobriram que a fragmentao diminuiu o nmero de espcies em todos os grupos de seres vivos, mas que o aumento na diversidade nos fragmentos no compensou a perda de diversidade de espcies nas paisagens. Ou seja, a biodiversidade realmente perde na desestruturao dos ambientes.
A fragmentao da vegetao natural prejudica a conservao da biodiversidade e a manuteno de servios ecossistmicos e estoques de Carbono. Foto: Harikrishnan S / Creative Comons
Servios prejudicados 636d3y
“Alm da menor biodiversidade, a perda e a fragmentao do hbitat tm impactos extremamente negativos para a prestao de servios ecossistmicos”, acrescenta o engenheiro-agrnomo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e co-autor do artigo.
Ele argumenta que, nos fragmentos florestais menores, o efeito de borda – alterao nas condies ambientais e ecolgicas que ocorre na transio entre um ecossistema e reas vizinhas – minimiza o potencial de biodiversidade, na medida em que leva proliferao de plantas adaptadas perturbao, consequentemente favorecendo uma homogeneizao biolgica.
Tabarelli atua na conservao e ecologia de plantas ao norte do rio So Francisco, na regio Nordeste do pas, e observa uma reduo significativa de vrios grupos ecolgicos em funo da descontinuidade da floresta e perda de habitat na Mata Atlntica.
“Estudo rvores grandes que crescem no topo da floresta, onde h mais luz. Elas dependem de polinizadores e dispersores especficos para se reproduzir, mas esses animais muitas vezes desaparecem em reas muito desmatadas, dificultando a sobrevivncia dessas rvores em paisagens fragmentadas”.
J o lder da pesquisa, o brasileiro Thiago Gonalves-Souza, tambm vinculado Universidade de Michigan, lembra que a fragmentao tambm prejudica a capacidade das paisagens de contribuir com os esforos contra a crise climtica global.
“Estamos perdendo a capacidade de armazenar mais Carbono em paisagens fragmentadas”, ressalta o pesquisador. Quando liberado, esse gs amplia o efeito estufa, contribuindo para aumentar a temperatura mdia planetria.
Benefcios biodiversidade precisam ser mais lembrados na recuperao florestal, ainda focada em produzir madeira ou capturar Carbono. Foto: Lucas Ninno/Dilogo Chino/Projeto Colabora/Creative Commons
Necessria restaurao 3z6r6p
Diante disso tudo, Gonalves-Souza espera que o estudo vire a pgina do debate sobre conservao entre paisagens contnuas versus fragmentadas e promova avanos na restaurao da vegetao nativa.
“No h muitas florestas grandes e intactas restantes em inmeros pases. Portanto, o foco deve ser em plantar florestas e restaurar habitats cada vez mais degradados. A restaurao crucial para o futuro, mais do que debater se melhor ter uma grande floresta ou muitos fragmentos menores”, conclui.
Diante disso, os autores do estudo ponderam que os benefcios para a biodiversidade precisam ser mais lembrados na recuperao florestal, ainda focada em questes mais diretamente lucrativas, como produzir madeira ou capturar Carbono.
Para mudar essa lgica, o artigo na Nature sugere pontos como integrar conservao e recuperao da biodiversidade em polticas e aes pblicas, pesar condies locais e ampliar a diversidade de espcies na restaurao, alinhar polticas climticas e de conservao e manter aberta a torneira dos financiamentos para essas iniciativas.
Com informaes dos autores do estudo Species turnover does not rescue biodiversity in fragmented landscapes, da revista Pesquisa Fapespe do diretor-executivo do Centro de Pesquisas Itaqui – Carbono Florestal Pesquisa e Conservao, Sandro Paulino de Faria.
Aldem Bourscheit h6w1w
Jornalista cobrindo h mais de duas dcadas temas como Conservao da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Cincia, Agron... →
Solues monofuncionais de infraestrutura cinza e de carter emergencial predominam, enquanto estratgias de adaptao sistmica permanecem secundarizadas
Homem percorre ruas inundadas do Centro Histrico de Porto Alegre. A cidade sofreu a pior enchente de sua histria, com a gua chegando a mais de dois metros acima do nvel do solo. Imagem: Ma Yandara / Mdia NINJA
IDS - Instituto Democracia e Sustentabilidade 6q2n66
Na manh de 5 de maio de 2024, o Rio Guaba alcanou 5,35 metros e transbordou, inundando Porto Alegre e interrompendo a rotina da capital gacha por semanas. Foi o pice de um processo j anunciado: entre abril e maio, chuvas intensas afetaram mais de 90% dos municpios do Rio Grande do Sul, provocando 172 mortes, o deslocamento de cerca de 600 mil pessoas e prejuzos econmicos estimados em R$ 4,6 bilhes. A imagem da cidade submersa repercutiu internacionalmente e revelou a vulnerabilidade estrutural das cidades brasileiras frente aos eventos climticos extremos.
Este artigo analisa episdios recentes de inundaes no pas, identifica fatores estruturais que potencializam os impactos e discute caminhos para adaptao climtica.
Eventos extremos e seus impactos 6kb2u
Dados do CEMADEN revelam que a maioria dos desastres climticos est relacionada a inundaes e deslizamentos, concentrando-se em regies densamente urbanizadas e desiguais. O agravamento da crise climtica, conforme o Relatrio AR6 do IPCC (2023), est associado intensificao do ciclo hidrolgico e ao aumento da frequncia de chuvas intensas, fenmenos que j moldam um novo regime climtico no pas.
Este mesmo relatrio do IPCC (2023) mostra que eventos de precipitao extrema vm se tornando mais frequentes desde a dcada de 1950. O aquecimento global intensifica o ciclo hidrolgico, altera padres atmosfricos e contribui para fenmenos como o El Nio, antecipando episdios que antes ocorriam em intervalos centenrios.
A esse novo padro climtico somam-se fatores locais, como desmatamento, impermeabilizao do solo, urbanizao em reas de risco e infraestrutura precria. Essa combinao explica a recorrncia de tragdias nos ltimos anos. Entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, enchentes no Sul da Bahia e no Norte de Minas atingiram mais de 850 mil pessoas. Em fevereiro de 2022, Petrpolis registrou 233 mortes aps deslizamentos. Em 2023, So Sebastio enfrentou 682 mm de chuva em menos de 24 horas — quase o triplo da mdia mensal — e, em 2024, o Rio Grande do Sul viveu o maior desastre climtico j registrado no pas, segundo o climatologista Jos Marengo.
A compreenso dos diferentes tipos de inundaes essencial para a formulao de medidas preventivas e adaptativas. Nem toda enchente igual – e essa distino importa.
Foram 189 deslizamentos registrados e 229 ocorrncias em Petrpolis, com cerca de 50 casas atingidas. Desastre ocorreu em fevereiro de 2022. Foto: Carl de Souza/AFP.
Cada regio aponta uma necessidade especfica 4c5o5l
Em So Sebastio (2023), observou-se uma inundao pluvial, provocada por 682 mm de chuva em menos de 24 horas, combinada com inundao costeira, j que mars superiores a dois metros impediram o escoamento das guas para o mar. O sistema de drenagem urbano colapsou e os solos saturados agravaram os deslizamentos em reas de encosta, resultando em 64 mortes. Estudo conduzido por Unicamp, CEMADEN e outras instituies identificou o transporte de umidade da Amaznia como fator chave para a formao desse evento extremo.
Em Petrpolis (2022), a cidade foi atingida por uma inundao relmpago (flash flood), com 265 mm de chuva acumulados em apenas trs horas. O volume extremo de precipitao em terreno ngreme gerou fluxos violentos de gua, lama e detritos, provocando 233 mortes e a destruio de infraestrutura urbana. O padro de ocupao em encostas e a insuficincia de aes preventivas contriburam para a severidade do impacto, mesmo diante de alertas meteorolgicos prvios. Relatrios tcnicos do Cefet-RJ indicam que grande parte da populao j enfrentava dificuldades cotidianas mesmo em dias de chuva moderada.
Entre 2021 e 2022, o Sul da Bahia e o Norte de Minas vivenciaram uma combinao de inundao fluvial, com rios como Jequitinhonha e Almada ultraando em at sete metros suas cotas histricas, e inundao pluvial, com chuvas que chegaram a 500 mm em 48 horas. Os prejuzos atingiram R$ 15,4 bilhes, com 33 mortos, 630 mil pessoas afetadas e colapso de barragens. De acordo com Jos Marengo, a atuao anmala da Zona de Convergncia do Atlntico Sul (ZCAS), combinada La Nia e ao transporte de umidade da Amaznia, foi determinante para a intensidade do desastre. Segundo o climatologista Jos Marengo, a atuao anmala da ZCAS, aliada La Nia e umidade amaznica, foi determinante para a intensidade do evento.
J no Rio Grande do Sul (2024), predominou uma inundao fluvial de larga escala, com o transbordamento simultneo de diversos rios e solos previamente saturados. O nvel do Guaba ultraou o recorde histrico de 1941. As chuvas acumuladas, somando mais de 500mm em cinco dias, foram agravadas pela atuao do El Nio e de frentes frias estacionrias. Segundo a CNM, mais de 78% dos municpios foram afetados e cerca de 100 mil residncias sofreram danos, com impactos especialmente severos em municpios de infraestrutura precria como Canoas, Eldorado do Sul e So Leopoldo.
Em comum, todos os episdios revelam a fragilidade da infraestrutura urbana brasileira. A impermeabilizao crescente do solo, a ocupao de vrzeas e a canalizao de rios reduziram drasticamente a capacidade de absoro da gua. Segundo o MapBiomas, o Brasil perdeu mais de 19 milhes de hectares de vegetao nativa nos ltimos 37 anos, parte significativa em reas metropolitanas. Vrzeas foram aterradas, margens de rios substitudas por avenidas e muros, e muitos cursos d’gua foram canalizados ou cobertos – mas a gua continua buscando seus caminhos naturais.
Cada necessidade aponta desafios e solues 4o5g2b
Nesse contexto, repensar os sistemas de drenagem, adotar solues alternativas de reteno hdrica e recuperar margens de rios e bacias hidrogrficas so medidas urgentes para reduzir a exposio de reas vulnerveis. A contnua destruio de reas de Preservao Permanente (APPs) em zonas urbanas, muitas vezes autorizada por mecanismos de compensao ambiental, compromete a resilincia ecolgica das cidades. A mata ciliar, por exemplo, desempenha papel crucial na reteno de gua e na conteno de sedimentos, sendo especialmente importante para mitigar os efeitos de inundaes relmpago.
Essa vulnerabilidade se agrava com a desarticulao entre polticas pblicas setoriais. Em muitos municpios, planos de uso e ocupao do solo, habitao, saneamento e drenagem urbana operam de forma segmentada. Solues monofuncionais de infraestrutura cinza e de carter emergencial predominam, enquanto estratgias de adaptao sistmica permanecem secundarizadas. Municpios de pequeno e mdio porte, com menor capacidade institucional e tcnica, enfrentam maiores desafios para estruturar respostas transformativas e duradouras.
Nesse cenrio, as Solues Baseadas na Natureza (SbN) despontam como alternativas mais resilientes. Em vez de conter a gua, essas solues buscam integr-la ao territrio, promovendo infiltrao, reteno e recuperao dos ciclos hidrolgicos. Jardins de chuva, bacias de infiltrao, telhados verdes, parques lineares, restaurao de matas ciliares e proteo de manguezais so exemplos aplicveis em contextos urbanos diversos.
Relatrios internacionais, como o da ONU sobre gua (2018), enfatizam que a restaurao de ecossistemas no pode mais ser tratada como ao complementar. Quando bem planejadas, as SbN reduzem picos de cheia, melhoram a qualidade da gua e aumentam a resilincia urbana. Em cidades como Curitiba e Recife, intervenes como parques lineares e sistemas integrados de reteno hdrica contriburam para a reduo de alagamentos frequentes.
Apesar de sua eficcia, as SbN enfrentam entraves considerveis no Brasil. Um dos principais a lacuna entre os instrumentos de planejamento urbano e as polticas de adaptao climtica. Os projetos de drenagem e manejo de guas pluviais raramente incentivam solues multifuncionais; muitas vezes, os projetos ainda seguem uma tradicional, voltada para obras de curto prazo. Soma-se a isso o desmonte das estruturas de planejamento ambiental em diversos estados e a baixa prioridade poltica dada integrao territorial e justia climtica. A informalidade urbana e o dficit habitacional tambm elevam o grau de exposio da populao mais vulnervel. Medidas como agricultura urbana, manejo sustentvel do solo e fortalecimento da governana local podem contribuir para ampliar a resilincia comunitria e territorial.
A cincia tem feito alertas consistentes 14666j
Tecnologias de monitoramento e alerta – como sensores, aplicativos e sistemas em tempo real – j mostram resultados promissores em salvar vidas. No entanto, seu alcance ainda limitado. Conforme relatrio do MCTI, o fortalecimento da capacidade tcnica dos municpios e a promoo da educao ambiental so caminhos estratgicos para reduzir desigualdades na resposta a eventos extremos. A criao de redes locais de cuidado e resposta pode ser to relevante quanto grandes investimentos em infraestrutura fsica.
As inundaes que marcaram o pas nos ltimos anos no so eventos isolados, mas revelam a atual crise climtica e a vulnerabilidade estrutural de nossas cidades. A fragmentao entre planos, a predominncia de aes emergenciais e a falta de uma abordagem comunitria no planejamento resultam em respostas tardias e pouco eficazes a longo prazo. necessrio construir um pacto urbano e ambiental que una polticas de uso do solo, conservao, infraestrutura habitacional adaptativa e justia territorial, com participao social efetiva. A prxima inundao j est prevista – e a diferena entre tragdia e transformao depende das decises que escolhemos tomar.
As opinies e informaes publicadas nas sees de colunas e anlises so de responsabilidade de seus autores e no necessariamente representam a opinio do site ((o))eco. Buscamos nestes espaos garantir um debate diverso e frutfero sobre conservao ambiental.
Opinio: Aps enchentes no Sul, Brasil precisa de infraestrutura mais resiliente 48132j
Enquanto autoridades articulam planos para reconstruir o Rio Grande do Sul, o pas deveria adotar medidas para resistir a futuras emergncias climticas →
Chuvas no RS – Mudanas climticas acentuam eventos extremos no sul do pas 1hz20
Cheias batem recordes histricos e Rio Grande do Sul entra em estado de calamidade. Mais de 140 municpios foram atingidos e barragem se rompeu na serra →
Estudo publicado na revista Science aponta mais de 13 mil eventos extremos de estiagem entre 1980 e 2018. A Amaznia e o Sudeste brasileiros aparecem entre regies mais afetadas
Um estudo publicado na revista Science revelou que as megassecas, eventos de estiagem prolongada com durao mnima de dois anos, esto se tornando cada vez mais intensas e frequentes em diversas partes do mundo. A pesquisa analisou dados entre 1980 e 2018 e identificou mais de 13 mil ocorrncias desse fenmeno, que pode ter impactos devastadores para ecossistemas e populaes. De acordo com o alerta mais recente da Organizao Meteorolgica Mundial (OMM), a tendncia de agravamento deve continuar.
Diferentemente de secas comuns, que podem ocorrer de forma sazonal, as megassecas representam perodos irregulares prolongados, afetando grandes reas e provocando deficits hdricos. Segundo Simone Fatichi, pesquisador da Universidade Nacional de Singapura e autor da pesquisa, esses eventos no so apenas uma ausncia de chuvas, mas um conjunto de fatores que incluem aumento da demanda atmosfrica por gua e elevao das temperaturas globais.
Esse cenrio intensifica os impactos da estiagem, resultando em rios secos, dificuldade de abastecimento urbano e maior vulnerabilidade dos biomas a queimadas. A pesquisa tambm destaca que, em regies mais quentes, a falta de precipitao tem consequncias ainda mais graves, enquanto em reas frias, a maior perda de gua para a atmosfera agrava o deficit hdrico.
O Brasil aparece duas vezes no ranking das dez secas mais severas registradas no perodo. A Amaznia Sul-Ocidental — que engloba parte dos estados do Acre, Amazonas, Rondnia e Mato Grosso, alm de territrios da Bolvia e Peru —, enfrentou um longo perodo de estiagem entre 2010 e 2018. Essa seca intensa, colocada em 7 lugar no estudo, provocou a reduo drstica do volume de rios importantes, como o Madeira, Negro e Solimes. Comunidades ribeirinhas ficaram isoladas, e o estresse hdrico na vegetao tornou a floresta mais suscetvel a incndios.
Outro episdio de grande impacto ocorreu no Sudeste, entre 2014 e 2017. Considerada a nona megasseca mais severa do mundo, atingiu os estados de So Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Esprito Santo. O Sistema Cantareira, que abastece milhes de pessoas na Grande So Paulo, chegou a operar com o volume morto em 2015, enquanto reservatrios de Minas Gerais e do Rio de Janeiro atingiram nveis crticos. A crise afetou tanto o abastecimento urbano quanto a gerao de energia, j que a regio abriga importantes usinas hidreltricas.
Andrea Ramos, meteorologista do Climatempo, afirma que a situao climtica que o mundo se encontra agora o “novo normal”. “Os eventos extremos vo ficar cada vez mais frequentes e intensos. Chuvas torrenciais, ondas de frio e de calor e incndios florestais. Essa a tendncia. Independentemente de as pessoas acreditarem ou no nas mudanas climticas, os efeitos j esto acontecendo”, disse Ramos.
Embora o Brasil tenha enfrentado secas extremas, os eventos mais agressivos ocorreram em outros Continentes. A mais grave identificada pela pesquisa aconteceu na Bacia do Congo, na frica, que durou quase 10 anos (2010 a 2018). A Monglia tambm sofreu com um perodo de seca severo entre 2000 e 2011, que reduziu sua vegetao em aproximadamente 30%.