Brasil : Cidade submersas e populao vulnervel: o que revelam as grandes inundaes no Brasil nos ltimos anos
Enviado por alexandre em 27/03/2025 11:14:21

Solues monofuncionais de infraestrutura cinza e de carter emergencial predominam, enquanto estratgias de adaptao sistmica permanecem secundarizadas



  • IDS - Instituto Democracia e Sustentabilidade 6q2n66

    Instituto Democracia e Sustentabilidade

  • Giovanna Rosseto 3k4n3w

    Assistente de Pesquisa e Formao do IDS

Na manh de 5 de maio de 2024, o Rio Guaba alcanou 5,35 metros e transbordou, inundando Porto Alegre e interrompendo a rotina da capital gacha por semanas. Foi o pice de um processo j anunciado: entre abril e maio, chuvas intensas afetaram mais de 90% dos municpios do Rio Grande do Sul, provocando 172 mortes, o deslocamento de cerca de 600 mil pessoas e prejuzos econmicos estimados em R$ 4,6 bilhes. A imagem da cidade submersa repercutiu internacionalmente e revelou a vulnerabilidade estrutural das cidades brasileiras frente aos eventos climticos extremos.

Este artigo analisa episdios recentes de inundaes no pas, identifica fatores estruturais que potencializam os impactos e discute caminhos para adaptao climtica.

Eventos extremos e seus impactos 6kb2u

Dados do CEMADEN revelam que a maioria dos desastres climticos est relacionada a inundaes e deslizamentos, concentrando-se em regies densamente urbanizadas e desiguais. O agravamento da crise climtica, conforme o Relatrio AR6 do IPCC (2023), est associado intensificao do ciclo hidrolgico e ao aumento da frequncia de chuvas intensas, fenmenos que j moldam um novo regime climtico no pas.

Este mesmo relatrio do IPCC (2023) mostra que eventos de precipitao extrema vm se tornando mais frequentes desde a dcada de 1950. O aquecimento global intensifica o ciclo hidrolgico, altera padres atmosfricos e contribui para fenmenos como o El Nio, antecipando episdios que antes ocorriam em intervalos centenrios.

A esse novo padro climtico somam-se fatores locais, como desmatamento, impermeabilizao do solo, urbanizao em reas de risco e infraestrutura precria. Essa combinao explica a recorrncia de tragdias nos ltimos anos. Entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, enchentes no Sul da Bahia e no Norte de Minas atingiram mais de 850 mil pessoas. Em fevereiro de 2022, Petrpolis registrou 233 mortes aps deslizamentos. Em 2023, So Sebastio enfrentou 682 mm de chuva em menos de 24 horas — quase o triplo da mdia mensal — e, em 2024, o Rio Grande do Sul viveu o maior desastre climtico j registrado no pas, segundo o climatologista Jos Marengo.

A compreenso dos diferentes tipos de inundaes essencial para a formulao de medidas preventivas e adaptativas. Nem toda enchente igual – e essa distino importa.

Foram 189 deslizamentos registrados e 229 ocorrncias em Petrpolis, com cerca de 50 casas atingidas. Desastre ocorreu em fevereiro de 2022. Foto: Carl de Souza/AFP.

Cada regio aponta uma necessidade especfica 4c5o5l

Em So Sebastio (2023), observou-se uma inundao pluvial, provocada por 682 mm de chuva em menos de 24 horas, combinada com inundao costeira, j que mars superiores a dois metros impediram o escoamento das guas para o mar. O sistema de drenagem urbano colapsou e os solos saturados agravaram os deslizamentos em reas de encosta, resultando em 64 mortes. Estudo conduzido por Unicamp, CEMADEN e outras instituies identificou o transporte de umidade da Amaznia como fator chave para a formao desse evento extremo.

Em Petrpolis (2022), a cidade foi atingida por uma inundao relmpago (flash flood), com 265 mm de chuva acumulados em apenas trs horas. O volume extremo de precipitao em terreno ngreme gerou fluxos violentos de gua, lama e detritos, provocando 233 mortes e a destruio de infraestrutura urbana. O padro de ocupao em encostas e a insuficincia de aes preventivas contriburam para a severidade do impacto, mesmo diante de alertas meteorolgicos prvios. Relatrios tcnicos do Cefet-RJ indicam que grande parte da populao j enfrentava dificuldades cotidianas mesmo em dias de chuva moderada.

Entre 2021 e 2022, o Sul da Bahia e o Norte de Minas vivenciaram uma combinao de inundao fluvial, com rios como Jequitinhonha e Almada ultraando em at sete metros suas cotas histricas, e inundao pluvial, com chuvas que chegaram a 500 mm em 48 horas. Os prejuzos atingiram R$ 15,4 bilhes, com 33 mortos, 630 mil pessoas afetadas e colapso de barragens. De acordo com Jos Marengo, a atuao anmala da Zona de Convergncia do Atlntico Sul (ZCAS), combinada La Nia e ao transporte de umidade da Amaznia, foi determinante para a intensidade do desastre. Segundo o climatologista Jos Marengo, a atuao anmala da ZCAS, aliada La Nia e umidade amaznica, foi determinante para a intensidade do evento.

J no Rio Grande do Sul (2024), predominou uma inundao fluvial de larga escala, com o transbordamento simultneo de diversos rios e solos previamente saturados. O nvel do Guaba ultraou o recorde histrico de 1941. As chuvas acumuladas, somando mais de 500mm em cinco dias, foram agravadas pela atuao do El Nio e de frentes frias estacionrias. Segundo a CNM, mais de 78% dos municpios foram afetados e cerca de 100 mil residncias sofreram danos, com impactos especialmente severos em municpios de infraestrutura precria como Canoas, Eldorado do Sul e So Leopoldo.

Em comum, todos os episdios revelam a fragilidade da infraestrutura urbana brasileira. A impermeabilizao crescente do solo, a ocupao de vrzeas e a canalizao de rios reduziram drasticamente a capacidade de absoro da gua. Segundo o MapBiomas, o Brasil perdeu mais de 19 milhes de hectares de vegetao nativa nos ltimos 37 anos, parte significativa em reas metropolitanas. Vrzeas foram aterradas, margens de rios substitudas por avenidas e muros, e muitos cursos d’gua foram canalizados ou cobertos – mas a gua continua buscando seus caminhos naturais.

Cada necessidade aponta desafios e solues 4o5g2b

Nesse contexto, repensar os sistemas de drenagem, adotar solues alternativas de reteno hdrica e recuperar margens de rios e bacias hidrogrficas so medidas urgentes para reduzir a exposio de reas vulnerveis. A contnua destruio de reas de Preservao Permanente (APPs) em zonas urbanas, muitas vezes autorizada por mecanismos de compensao ambiental, compromete a resilincia ecolgica das cidades. A mata ciliar, por exemplo, desempenha papel crucial na reteno de gua e na conteno de sedimentos, sendo especialmente importante para mitigar os efeitos de inundaes relmpago.

Essa vulnerabilidade se agrava com a desarticulao entre polticas pblicas setoriais. Em muitos municpios, planos de uso e ocupao do solo, habitao, saneamento e drenagem urbana operam de forma segmentada. Solues monofuncionais de infraestrutura cinza e de carter emergencial predominam, enquanto estratgias de adaptao sistmica permanecem secundarizadas. Municpios de pequeno e mdio porte, com menor capacidade institucional e tcnica, enfrentam maiores desafios para estruturar respostas transformativas e duradouras.

Nesse cenrio, as Solues Baseadas na Natureza (SbN) despontam como alternativas mais resilientes. Em vez de conter a gua, essas solues buscam integr-la ao territrio, promovendo infiltrao, reteno e recuperao dos ciclos hidrolgicos. Jardins de chuva, bacias de infiltrao, telhados verdes, parques lineares, restaurao de matas ciliares e proteo de manguezais so exemplos aplicveis em contextos urbanos diversos.

Relatrios internacionais, como o da ONU sobre gua (2018), enfatizam que a restaurao de ecossistemas no pode mais ser tratada como ao complementar. Quando bem planejadas, as SbN reduzem picos de cheia, melhoram a qualidade da gua e aumentam a resilincia urbana. Em cidades como Curitiba e Recife, intervenes como parques lineares e sistemas integrados de reteno hdrica contriburam para a reduo de alagamentos frequentes.

Apesar de sua eficcia, as SbN enfrentam entraves considerveis no Brasil. Um dos principais a lacuna entre os instrumentos de planejamento urbano e as polticas de adaptao climtica. Os projetos de drenagem e manejo de guas pluviais raramente incentivam solues multifuncionais; muitas vezes, os projetos ainda seguem uma tradicional, voltada para obras de curto prazo. Soma-se a isso o desmonte das estruturas de planejamento ambiental em diversos estados e a baixa prioridade poltica dada integrao territorial e justia climtica. A informalidade urbana e o dficit habitacional tambm elevam o grau de exposio da populao mais vulnervel. Medidas como agricultura urbana, manejo sustentvel do solo e fortalecimento da governana local podem contribuir para ampliar a resilincia comunitria e territorial.

A cincia tem feito alertas consistentes 14666j

Tecnologias de monitoramento e alerta – como sensores, aplicativos e sistemas em tempo real – j mostram resultados promissores em salvar vidas. No entanto, seu alcance ainda limitado. Conforme relatrio do MCTI, o fortalecimento da capacidade tcnica dos municpios e a promoo da educao ambiental so caminhos estratgicos para reduzir desigualdades na resposta a eventos extremos. A criao de redes locais de cuidado e resposta pode ser to relevante quanto grandes investimentos em infraestrutura fsica.

As inundaes que marcaram o pas nos ltimos anos no so eventos isolados, mas revelam a atual crise climtica e a vulnerabilidade estrutural de nossas cidades. A fragmentao entre planos, a predominncia de aes emergenciais e a falta de uma abordagem comunitria no planejamento resultam em respostas tardias e pouco eficazes a longo prazo. necessrio construir um pacto urbano e ambiental que una polticas de uso do solo, conservao, infraestrutura habitacional adaptativa e justia territorial, com participao social efetiva. A prxima inundao j est prevista – e a diferena entre tragdia e transformao depende das decises que escolhemos tomar.

As opinies e informaes publicadas nas sees de colunas e anlises so de responsabilidade de seus autores e no necessariamente representam a opinio do site ((o))eco. Buscamos nestes espaos garantir um debate diverso e frutfero sobre conservao ambiental.

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