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Polcia E Sociedade : O PODER SOBRENATURAL DO CRACK
Enviado por alexandre em 15/11/2011 12:11:25

O PODER SOBRENATURAL DO CRACK

H algum tempo atrs um cidado aparentando ter pouco mais de trinta anos, vagava pelas ruas centrais de Aracaju, como de costume, pois noutra vez eu j tinha observado os seus os nas mesmas cercanias. Mostrava estar triste e deprimido como nunca, talvez como sempre. O dia de sbado era como outro qualquer na sua vida e na vida da cidade, pois o vento que soprava quente era o mesmo, o sol abrasante e causticante a tudo esquentar era o mesmo, as pessoas indiferentes, ando de um lado para o outro das ruas e nas caladas, afastando-se do citado cidado em misto de medo e asco eram as mesmas, a agencia bancaria a qual ele entrara era tambm a mesma. Entretanto, aquele carrancudo cidado, barbudo, cabeludo, sujo, maltrapilho, esqueltico, parecendo seriamente doente me lembrava de algum, algum conhecido, algum que um dia j mantivera algum tipo de contato verbal comigo, mas, por mais que eu tentasse me lembrar de quem seria aquela misteriosa pessoa no conseguia. Demasiadamente curioso, dessa vez olhei mais demoradamente para aquele estranho e intrigante cidado enquanto ele tirava dinheiro no cash do banco no mesmo instante em que as outras pessoas que ali estavam presentes trataram de fugir do recinto pensando ser ele um assaltante, um bandido ou delinquente qualquer, talvez um maluco andarilho. Ele no demostrou surpresa pelo fato das pessoas assim agirem, parecia acostumado com isso, com essa humilhao, sabia que a sua aparncia era assustadora apesar de saber que no era um marginal, parecia no estar ali naquele momento, noutro mundo, no ligar para o que acontecia a sua volta, parecia nada temer, talvez se a Terra explodisse para ele seria normal. Temia somente um novo ataque de bronquite que se avolumava no seu pulmo devido a tosse grossa e pesada que insistia na sua garganta a fazer tremer a sua longa e imunda barba que carregava em igual modo com o seu cabelo escarafunchado e embuchado tal qual uma casa de cupim . As suas perspectivas eram as piores possveis. Certamente mergulhado em pensamentos pessimistas, nem sequer notou que eu sem disfarar tanto olhava para ele querendo me lembrar de onde o conhecia, at que o guarda do banco chegou de um possvel cafezinho e me falou: - T vendo o que o crack faz? ... Ele era um Advogado!...
Foi a que tudo emergiu, veio tona; foi ai que tudo me chegou mente; foi ai que o mistrio foi revelado; foi ai que pude decifrar todos seus segredos; foi ai que vi o quanto o destino das pessoas pode ser cruel para uns e bondoso para outros; foi a que eu vi aquele cidado, antes promissor Advogado conversando comigo em algumas oportunidades nos corredores do Tribunal de Justia e em determinada Delegacia que trabalhei, assuntos relacionados a Processos criminais ou Inquritos policiais; foi a que me lembrei de uma reportagem que um jornal sergipano fez sobre uma me em desespero querendo libertar o seu querido filho, estudioso, carinhoso, alegre e feliz com a vida, ento Advogado preso nas garras do crack; foi ai que soube que os familiares desse cidado tentavam interna-lo em clinica apropriada, mas ele se recusava tal tratamento por conta do poder avassalador e sobrenatural do crack que o arrastava cada vez mais para o fundo do poo; foi ai que lembrei que aquele Advogado entrou no imundo mundo do crack por conta de ter se envolvido com um traficante aps conseguir sua liberdade na Justia; foi ai que lembrei da citada matria jornalstica dizendo que aquele Advogado se desfez do seu escritrio, do seu carro, dos seus bens, vendendo ou trocando tudo pelo crack ou para pagar dvidas com traficantes; foi ai que eu senti que aquele cidado abandonou a sua casa e ou a morar no submundo da sociedade de Aracaju, nas ruas, no mercado central, nas marquises dos prdios ou em penses baratas junto prostituio rasteira, com seus iguais, pelo crack e para o crack; foi ai que eu imaginei que aquele cidado ento sobrevivia de algum dinheiro que ainda restava da venda dos seus bens, ou quem sabe, de depsitos efetuados por familiares na sua conta bancaria; foi ai que eu vi que um cidado bem vestido, alinhado, com terno, palet e gravata impecveis pode se transformar num mendigo, num zumbi, num morto-vivo; foi ai que eu vi que a vida daquele cidado era somente o crack.
Certamente sentindo-se arrasado, desesperado, impotente para resolver o seu prprio infortnio, o seu calvrio, lanando um olhar no ado esse cidado, antes feliz Advogado, viu o rumo errado que tomou, mas no teve foras para voltar atrs, no queria se curar, no itia tratamento porque o crack era mais forte do que a sua vontade, o crack era mais forte do que ele. O seu presente era s o crack, o crack como o senhor do seu viver, o crack como seu dominador, o crack como destruidor da sua famlia, o crack como aniquilador da sua vida. Crack e desgraa so indissociveis e quase palavras sinnimas.
O crack o grande mal do sculo, o mal dos males, a pior de todas as drogas, que se no for um mal que todos ns estejamos esclarecidos, ir nos afetar em qualquer momento de nossa vida ou na vida de quem mais amamos, como de fato aconteceu com esse cidado e sua famlia, um jovem que estudou nos melhores colgios, que teve boas amizades, que se formou em Direito, que se tornou um Advogado, que tinha um bom escritrio, que pretendia ser juiz por isso adormecia em cima de livros de tanto estudar, que tinha um bom futuro pela frente, mas que por ironia do destino, pelo poder sobrenatural dessa droga, tudo trocou pelo crack.
Rodeado e instado pelos sentimentos humanitrios de enternecimento, compaixo, piedade at porque sempre fui dos maiores combatentes do crack, tanto na rea repressiva quanto preventiva, com priso de grandes traficantes na minha careira policial e inmeros artigos de minha autoria pertinentes ao tema publicados em centenas de sites do Brasil, Portugal, Angola e Moambique, logo pensei em falar com ele, oferecer algum tipo de ajuda moral, espiritual, mas seu olhar sisudo e com possibilidade de algum tipo de agresso me afastaram, me reprimiram at porque ele tambm no me reconheceu. Entretanto, todas as vezes que caminho pela citada rea de Aracaju, procuro em vo e insistentemente com os meus curiosos olhos pelo triste cidado entre os inchadinhos de cachaa ou barbudinhos zumbis do crack em muitos espalhados pela redondeza. Se o cidado aceitou fazer tratamento, se fez ou faz tratamento em clinica de recuperao no sei, s sei que o poder de imensa e infinita bondade do nosso Criador pode sobrepor e derrotar o poder sobrenatural do crack como assim j fez com muitos. Assim, um dia espero ver aquele alegre Advogado de volta aos corredores do Tribunal de Justia ou em Delegacias defendendo os seus clientes, menos os traficantes.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Ps-Graduado em Gesto Estratgica de Segurana Pblica pela Universidade Federal de Sergipe) [email protected]

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Polcia E Sociedade : Um siri em necropsia
Enviado por alexandre em 31/08/2011 10:04:23

Um siri em necropsia
Temos de convir que a funo de criticar ou elogiar no tarefa fcil pois s vezes nos esbarramos em nossos prprios conceitos contrrios que podem no ser os conceitos verdadeiros, no entanto, esses dois entendimentos podem estar presentes nas mesmas aes de uma s pessoa.
No podemos esquecer de que o gosto de cada um algo muito subjetivo e pessoal. Assim, o gosto que algum considera ruim e errado, para o outro considerado bom e certo. Tudo depende do ponto de vista de cada um e do mundo em que cada um vive. por isso que se diz que h gosto para todas as coisas, que h gosto para tudo e a cada um seu gosto lhe parece o melhor e, em assim sendo, dentro dessa filosofia que o presente texto no faz crtica ou elogio ao gosto do personagem principal, vez que contra o gosto no h argumento.
H muito tempo atrs, mais de perto, no ano de 1985 conheci quando do meu ingresso na Polcia Civil de Sergipe, um cidado que arei a partir de ento a chama-lo com o nome fictcio de Matusalm, pois os seus familiares podem no gostar da histria apesar de ter sido a pura verdade do que realmente aconteceu. Matusalm era um funcionrio pblico exemplar, um excelente profissional, um dedicado e exclusivo, jamais igualado agente auxiliar de necropsia que trabalhava no Instituto Mdico Legal de Aracaju. Trabalhava j ento por sua livre e espontnea vontade, vez que as duas possibilidades de aposentadoria haviam alcanado o seu perodo laborativo, ou seja, tanto por tempo de servio, quanto por idade, o referido diferente e irreverente servidor podia ir embora descansar na sua cadeira de balano, contudo, no havia quem colocasse isso na cabea dele, ando ento o mesmo a ser considerado um patrimnio da casa, um patrimnio vivo e exemplar do IML do nosso Estado de Sergipe.
O IML no era somente o seu trabalho, era a sua casa, seu lar, sua vida. Para Matusalm a sua simples e difcil funo era a melhor de todas as outras existentes. Cortar cadveres, procurar projeteis ou objetos em suas vsceras, mexer em corpos putrefatos, buscar mortos mutilados em acidentes, ver sangue, sentir sangue, sentir o cheiro forte do formol, do morto e da morte era para o bom velho Matusalm uma satisfao incomum que ele realizava sem luvas, sem mscaras ou qualquer tipo de proteo possvel.
Praticamente Matusalm trabalhava todos os dias em todos os plantes porque aceitava qualquer coisa em troca, por vezes at algumas doses de cachaa, para cobrir o expediente dos seus colegas.
Corria o boato que quase sempre Matusalm fazia as suas refeies no seu prprio local de trabalho, mais de perto, almoava, lanchava ou jantava na mesma sala em que os mortos estavam sendo submetidos aos exames cadavricos e, at colocava a gua que bebia, suco ou qualquer alimento para gelar nas geladeiras em que tambm se guardavam os defuntos.
O meu primeiro local de trabalho foi a extinta Delegacia Central de Aracaju que era localizada no prdio vizinho ao IML, por isso a minha aproximao com os funcionrios daquele Instituto, mais de perto com o velho Matusalm a quem melhor me apeguei pela sua simples filosofia de vida, apesar das nossas extremas diferenas.
Calouro na Polcia e metido a ser o melhor de todos, no diferente dos jovens policiais que se acham superiores aos antigos, aos mais experientes, ento nas minhas horas vagas ou de menor movimento na Delegacia, no s pela curiosidade, mas principalmente para me acostumar com a situao fnebre e horrorosa que tanto me causava nuseas e que eu achava ser condizente com a minha carreira, ento ei a visitar a sala de necropsia do IML para assistir ao trabalho efetuado pelos Mdicos Legistas, na maioria das vezes com o auxilio de Matusalm, que para dizer a verdade era quem fazia todo o trabalho pesado de cortar, serrar, abrir, retirar o crebro ou as vsceras do examinado em busca das evidencias das suas mortes.
Certo dia ca na besteira de entrar na sala quando da chegada de um defunto afogado que fora achado na praia de Atalaia em avanado estado de decomposio, j bastante mutilado e at largando aos pedaos. Era o meu desafio maior, meu teste de fogo, para me acostumar de vez com a situao devido as tantas outras diferentes anteriormente a que me submeti voluntariamente assistindo a exames de todos os tipos de mortes possveis.
Ali mesmo constatei em meio a uma fedentina invel, a pele podre das pernas do defunto ficar grudada nas mos nuas de Matusalm, contudo, tal fato era s o comeo do esdruxulo, pois o pior estava por vir: No demorou muito e caiu no cho da sala um grande siri, um siri que a gente aqui em Sergipe chama de siri patola.
O siri que veio dentro da barriga do inchado e deteriorado cadver afogado, agora estava ali no cho sujo da sala, em lquido gosmento rseo-avermelhado, desorientado e armado com as suas duas pus tais quais tesouras apontadas para o alto no sentido de se defender de um possvel ataque e, para minha surpresa escuto Matusalm dizer:
- Chegou o meu tira-gosto!...
Sa rpido da sala para vomitar l fora e voltar para a Delegacia acreditando ser brincadeira aquela frase do meu amigo Matusalm.
Momento depois me chega o velho Matusalm j com o siri cozinhado, todo vermelho e, cantando vantagem:
- E a doutor, vai encarar?...
- Voc est ficando doido Matusalm... Jogue essa porcaria fora!... Onde j se viu querer comer um siri que estava dentro da barriga de um defunto e ainda mais podre e nojento?...
- E qual a diferena de se comer ele ou de comer qualquer outro siri?... Ser que o outro que o senhor pesca ou compra na feira, tambm no comeu defunto?...
- Vamos ponderar um pouco Matusalm... Isso que voc quer fazer, alm de absurdo, anti-higinico e nojento deprimente, eu pago outro tira-gosto qualquer para voc, mas jogue esse siri no lixo.
- Anti-higinico no , porque quando se cozinha, mata-se todos os micrbios. Nojento aquilo que o senhor come sem saber de onde veio. Deprimente o senhor comer algo pensando que bom, quando na verdade esta sendo enganado, est comendo algo ruim, que no vale nada, que pode lhe fazer mal... Por exemplo: O senhor compra no mercado a carne mais cara que existe, o fil, entretanto esse fil pode vir de uma vaca que morreu de uma doena braba ou de uma picada de cobra... E a?... Eu no quero que o senhor me pague nenhum tira-gosto no doutor por eu j tenho o meu... S quero que me pague duas doses de cachaa que pra eu comer o meu siri...
- Se isso mesmo que voc quer Matusalm, ento seja feita a sua vontade... Pode ir andando pra birosca que eu chego j pra pagar a sua cachaa...
E ainda meio incrdulo, cerca de vinte minutos depois fui at o barzinho da esquina e l chegando constatei os cascos e restos do siri dentro de um prato em cima da mesa, e Matusalm sentado ao lado se gabando:
- S estava esperando o senhor para me pagar tambm a saideira, doutor... O siri estava gordo que estava uma beleza!...
Daquele dia em diante no mais comi um siri sequer e toda vez que eu vejo um, me lembro do meu amigo Matusalm, uma pessoa simples, leal, verdadeira e trabalhadora que viveu um mundo estranho dentro desse estranho mundo com o entendimento e gosto peculiar que era s seu.
O velho Matusalm morreu alguns anos depois dentro do seu prprio local de trabalho. Dormiu e no mais acordou... Morreu no seu paraso, na morte que pediu a Deus... Morreu to pobre quanto nasceu, mas me deixou uma lio: Vivemos em um mundo em que cada um vive o seu mundo, apenas nos adequamos s regras e ao mundo dos outros.
(Autor: Archimedes Marques. Delegado de Polcia no Estado de Sergipe. Ps-Graduado em Gesto Estratgica em Segurana Pblica pela UFS. [email protected])

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Polcia E Sociedade : As galinhas dos ovos suspeitos
Enviado por alexandre em 16/08/2011 00:43:09

As galinhas dos ovos suspeitos (srie Casos Policiais)
(Archimedes Marques)

H aproximadamente uns 20 anos atrs, quando eu estava como Delegado de Polcia da Barra dos Coqueiros, um municpio litorneo banhado pelo Oceano Atlntico e que faz divisa com Aracaju atravs do Rio Sergipe, ento recebi na Delegacia a visita de uma senhora aparentando ter de 65 a 70 anos de idade, mas, bem lcida e gil, que me fez pessoalmente a seguinte denuncia:
- Doutor, eu moro em um stio aqui prximo junto com meu filho que meio estranbelhado da cabea, onde crio galinhas e junto ovos a semana toda para vender na feira aos sbados, mas a descobri que o meu vizinho anda comendo as minhas galinhas e eu quero a soluo da Polcia para ver se ele para com isso...
- A senhora sabe quantas galinhas ele j comeu?...
- A o senhor me pegou doutor, difcil de saber por que tenho umas quarenta e todas elas vivem presas no meu terreiro. Coloquei varas bem juntinhas umas das outras no cercado e no meio constru o galinheiro, mas a algumas delas conseguem pular a cerca e vo ciscar no stio dele, ento ele come todas elas...
- Mas como que a senhora sabe que as galinhas que ele est comendo so as suas?...
- Ah doutor... Primeiro porque ele no cria galinhas... Segundo porque eu conheo todas elas... Terceiro porque eu o vi comendo uma...
- Est certo, vou mandar uma intimao pra ele e se ficar constatado essa acusao a senhora vai ter as suas galinhas ressarcidas e ele ser processado.
E ento no dia marcado l estavam a nossa simptica velhinha e o suposto larapio das suas galinhas. De incio o cidado que aparentava ter uns vinte e cinco anos, negou veementemente a acusao, mas a a vtima insistiu:
- mentira dele doutor!... Ele est comendo as minhas galinhas mesmo... O meu filho estrambelhado j tinha me dito isso e no acreditei, mas, na segunda-feira ada logo cedinho, quando eu estava no galinheiro catando os ovos, escutei uns gritos de galinha que vinha de dentro do mato e a pensei que era alguma que estava pondo os seus ovos num ninho escondido, ento segui o barulho e escondida vi muito bem com esses olhos que a terra h de comer, ele nu segurando fortemente as asas da bichinha com as duas mos enfincando o negcio dele no rabo dela, na maior safadeza e chumbregancia com a minha galinha e ela, coitadinha, se esguelando de dor... S no me apresentei na hora porque fiquei com medo dele me matar, doutor...
Diante daquela situao hilria assim terminei de saber de qual maneira era que o cidado estava comendo as galinhas da velhinha, e, ento continuei a audincia falando srio e de um jeito mais severo, como se j soubesse daquele fato inusitado desde o incio:
- Mas rapaz... Voc ainda tem a cara safada de dizer que uma senhora idosa como essa, que tem a idade de ser a sua av, est mentindo?... Vou instaurar um Inqurito Policial e pedir Justia a sua priso... Voc vai mofar na Penitenciaria... Alm do mais os presos vo fazer com voc o que voc fez com as galinhas dela...
- No doutor, pelo amor de Deus, pelo amor que o senhor tem aos seus filhos, no faa isso comigo no... Eu pago quantas galinhas ela quiser e prometo que nunca mais fao isso de novo...
E ento interferiu a pretensa vtima alegando outro fato que ela achava grave:
- O problema maior doutor, que agora eu no sei quais so as galinhas que esto com os ovos galados por ele e quais as que esto com os ovos galados pelo galo. Como vou saber quais os ovos que eu levo pra vender na feira para que o povo no me reclame nada e quais os ovos que eu coloco nos ninhos das galinhas chocas para nascerem os pintinhos?...
Para no rir da situao esdrxula, tive que explicar que cientificamente e geneticamente no h qualquer possibilidade do espermatozide humano interferir no vulo da galinha ou de qualquer outro animal e que por isso no havia problema algum com os ovos das suas galinhas que continuavam sendo do mesmo jeito que sempre foram e em seguida interpelei o suposto estuprador de galinhas para o devido acerto de contas:
- Quantas galinhas voc comeu nessa sua safadeza?...
- No tenho certeza doutor... Acho que foram somente umas quatro!...
- Quando voc fala quatro porque certamente foi o dobro, por isso voc vai indenizar ela com oito galinhas...
- Tenha d de mim doutor... Eu estou falando a verdade e, alm disso, eu sou mais pobre do que ela... No meu stio tenho somente alguns coqueiros que de quando em vez vendo cocos... Eu ganho pouco... Pesco siris, alguns peixinhos engasga-gatos e cato caranguejos nos mangues para sobreviver... Tenho mulher e trs filhos pequenos pra dar de comer...
E antes que eu me pronunciasse, interferiu novamente a vtima:
- Doutor, eu agora estou querendo tambm criar patos, ento se ele me der trs patas e um pato est resolvido o problema!...
Pesando a situao econmica do acusado apesar da sua pouca vergonha, ento convenci a suposta vtima a aceitar um casal de patos, vez que, com o tempo ela certamente teria muitos patinhos que cresceriam e gerariam tantos outros.
Fechado o acordo ento finalizei a audincia com a seguinte advertncia:
- Preste ateno rapaz!... Voc me prometeu que no vai mais importunar e estuprar as galinhas dela e eu acredito, pois notei que voc um batalhador e no um vagabundo como muitos que tem neste municpio, mas espero que ela no volte aqui se queixando que voc esta comendo a prpria pata que vai dar a ela, viu?...
Hoje esse cidado vende mariscos, dentre os quais caranguejos, em uma das feiras livre de Aracaju e toda vez que o pela sua banca para comprar esse crustceo que tanto gosto, pergunto brincando se ele continua comendo galinha e ele s gargalhadas sempre me responde:
- Galinha agora s no prato, doutor, seno eu pago o pato... Vai quantas cordas no capricho?...

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Ps-Graduado em Gesto Estratgica de Segurana Pblica pela UFS) [email protected] - [email protected]



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Polcia E Sociedade : A Jumenta fogosa
Enviado por alexandre em 01/08/2011 19:43:57

A Jumenta fogosa (srie Casos Policiais)
(Archimedes Marques)

A concepo antiga de que a Polcia tudo pode, tudo resolve ainda hoje vivenciada por muitas pessoas, em destaque na classe mais pobre e com pouca cultura da nossa sociedade que sempre est entre os moradores das periferias das cidades ou nas zonas rurais.
Nos meus 25 anos de atuao policial me deparei com situaes inusitadas que tive que sair da letra fria da Lei e usar de bom senso para evitar males maiores, como o presente caso que alm de tudo muito engraado:
Estava eu h muitos anos atrs como titular de uma das Delegacias perifricas da chamada grande Aracaju, ento responsvel pela segurana de diversas localidades, dentre as quais o povoado Oco do Pau, hoje denominado Madre Tereza de Calcut no municpio de So Cristvo.
Do ento Oco do Pau me apareceu um cidado, dono de um pequeno stio, morador de uma casinha de taipa situada numa estradinha de cho entre as brenhas do povoado, querendo registrar uma ocorrncia policial contra o seu vizinho que tambm vivia em condies semelhantes de misria, alegando que o mesmo estava mantendo relaes sexuais com a sua jumenta.
Tentei de todas as maneiras explicar e convencer a ele que se o cidado no estivesse fazendo aquele tipo de sexo abertamente para configurar um possvel crime de atentado violento ao pudor a Polcia no tinha como interferir, contudo, o queixoso no se conformou de jeito algum e me falou que ento iria matar o dito cujo de qualquer maneira, pois s assim ele aprenderia a respeitar os animais dos outros.
No sentido de evitar a consumao da ameaa com o provvel homicdio que ele afirmou que iria cometer, ento resolvi interferir no problema mandando uma intimao para o cidado zoomaniaco sexual e, no dia marcado l estavam os dois no meu gabinete, na minha frente para que eu resolvesse aquele diferente entrave.
Assim, o queixoso repetiu toda a histria que j havia me contado anteriormente e acrescentou:
- Quero ver se ele homem para me desmentir, porque eu peguei os dois dentro do mato na maior conchambrancia. Ele l grudado por detrs da minha jumenta gemendo, gritando e tudo mais e, ento resolvi procurar a Policia que para eu no ter que matar esse desnaturado, safado, tarado, sem vergonha...
O acusado que aparentava ter uns cinqenta anos de idade e pouca vergonha na cara no negou o fato e ainda justificou:
- verdade. Ele no est mentindo no doutor, mas a jumenta dele que culpada, pois quase todos os dias ela vem me procurar. Sempre estou trabalhando tranqilo na minha roa e a danada aparece do nada, levanta o rabo, se treme toda e fica relinchando me chamando e a eu vendo aquele monumento no me agento e termino satisfazendo a vontade da coitadinha...
Tive que me segurar de todo jeito para no dar uma sonora gargalhada e colocar tudo a perder, e ento firme e srio ponderei:
- O senhor sabe que existe a Lei de proteo aos animais e que o senhor est maltratando a pobre da jumenta e por isso pode ser preso?...
- Maltratando como doutor, se ela est gostando?... Eu nunca bati nela. s vezes eu at tento espantar a danada, mas a ela insiste tanto, me atenta tanto que eu termino indo...
- Mas mesmo assim eu entendo que o senhor est cometendo um crime por isso vou instaurar um Inqurito policial e encaminhar o caso Justia para que o senhor seja processado e preso, contudo, ainda existem alternativas para que eu no tome essa posio. Basta que o senhor compre a jumenta dele e acabe de vez com o problema ou ento aceite fazer outro tipo de acordo.
Uma breve pausa para reflexo na sala fora cortada pela fala do pretenso queixoso:
- No pretendo vender a minha Jumenta porque ela das boas e vai me fazer muita falta, Doutor, mas se ele quiser fao outro acordo porque melhor eu no desgraar a minha vida por causa desse infeliz...
- Continue, qual seria a sua proposta?...
- Se ele me der um saco de milho todo ms, justamente para ajudar na alimentao da minha Jumenta, a gente at deixa de ser inimigo e esquece tudo.
- Doutor, eu tambm sou pobre e vivo da minha rocinha... Fao plantaes... uma macacheirazinha aqui, um inhamezinho acol, que eu levo no carrinho de mo para vender na feira... No tempo de manga e caju ganho mais um pouquinho... Posso at reservar um pedacinho de terra e plantar um milhozinho para a danada da Jumenta dele, mas um saco de milho todo ms fica muito pesado para mim... Se ele aceitar eu me comprometo perante o senhor a dar um saco de rao de trigo que mais barato de dois em dois meses...
Para convencer o queixoso falei que realmente era uma boa proposta e que estava dentro das condies financeiras do acusado.
- doutor, vou aceitar porque no estou querendo prejudicar a minha vida, nem quero saber desse negcio de Justia que demora muito, e alm do mais ele no gente ruim, at um bom vizinho, s tem esse defeito...
E ento complementou descaradamente o acusado:
- Doutor, o senhor pode ter certeza que eu no vou mais atrs da Jumenta dele... Quanto a isso o senhor tem a minha palavra de homem, mas se ela vier me procurar de novo eu posso perder a cabea e fazer safadeza com ela novamente porque a carne fraca... Quero que ele prenda a danada e tambm se comprometa que no vai fazer nada comigo caso volte a acontecer...
Aceita todas as condies, ento finalizei a audincia quebrando o ltimo gelo para que os dois pudessem descontrair e fazer as pazes, saindo satisfeitos com o acordo selado, com a seguinte frase ao desavergonhado cidado:
- Se voc e a Jumenta resolverem se casar e o dono dela aprovar podem me procurar que eu tambm posso fazer o papel de Padre para abenoar essa linda unio!...

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Ps-Graduado em Gesto Estratgica de Segurana Pblica pela UFS) [email protected] - [email protected]


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Polcia E Sociedade : A herana banguela
Enviado por alexandre em 20/07/2011 00:26:34

A herana banguela (srie Casos Policiais)
(Archimedes Marques)

De uma comunidade pauprrima do municpio de Barra dos Coqueiros no final dos anos 80, poca em que por dois anos estive como Delegado Titular da Delegacia de Polcia local, ento apareceu um fato policial inusitado, cmico, e at certo ponto comprovante do que vem a ser a ignorncia total e a pobreza absoluta vivida pelo ser humano dentro de um pas rico como o Brasil.
H alguns quilmetros da cidade sede daquele municpio, mais de perto s margens do rio Japaratuba que faz divisa com o vizinho municpio de Pirambu localiza-se uma pequena faixa de terra que era ento conhecida por Ilha do Rato onde na poca existiam vrias casas de taipa, madeira e palhas de coqueiros, construdas beira do rio ou em meio ao manguezal ali existente.
Ali naquele pedao de terra em que lutavam o homem com o caranguejo por um melhor espao, uma senhora havia falecido de morte natural e ento os seus trs filhos, demais familiares e outros moradores da Ilha do Rato, trouxeram o corpo em cortejo fnebre acompanhado por vrias carroas para que fosse enterrado no cemitrio da cidade sede do municpio.
Entretanto, no trajeto descobriram que a defunta estava sem a dentadura superior. Furtaram a dentadura da falecida... E ento uma irm acusou a outra pelo crime praticado contra a sua me, ou melhor, contra a defunta.
Depois do verdadeiro barraco em que as duas irms praticaram agresses fsicas e morais mutuamente em pblico j na cidade, o caso foi levado por populares para resoluo da Polcia e enquanto isso a defunta aguardava na porta do cemitrio ao relento no sol escaldante dentro de um caixo improvisado sem tampa, a minha deciso para a estranha contenda.
- Foi ela doutor... Foi essa cachorra que roubou a dentadura da minha me... Ningum tinha notado isso porque a minha me estava com a boca fechada, mas com o balano da carroa a boca dela se abriu e ento eu vi que ela estava sem a dentadura... S pode ter sido ela... Eu notei que quando a gente saiu de casa a minha me estava com a dentadura e foi ela quem veio tambm na mesma carroa... Essa miservel tambm no ficou satisfeita com a diviso da herana e por isso ela roubou a dentadura que minha me ganhou na eleio ada...
Lembrei-me da histria que o povo contava que certo candidato em campanha poltica chegava aos povoados daquele municpio com uma bacia cheia de dentaduras e as pessoas desdentadas saiam experimentando uma por uma para ver a que melhor lhe servia... E ento para acalmar os animus acirrado das duas irms, puxei conversa e perguntei curioso sobre a tal herana:
- Eu fiquei com trs vestidos, duas saias, duas calas, quatro blusas, um sapato, duas toalhas, uma chinela, o lampio a gs, um pote, quatro copos e dois pratos com os talheres que eram da minha me, e ela ficou com trs blusas, uma chinela, trs lenis, uma rede de dormir, um jerer de pescar siri, uma moringa, o pinico pra mijar de noite e trs as, mas a ela queria mais e terminou roubando a dentadura da minha me...
- Sim, mas pra que que ela ia querer a dentadura da sua me?...
- No ta vendo no doutor que ela tambm banguela?... Arrancou os dentes dia desses que j estavam todos podres...
- Voc esta querendo me dizer que ela furtou a dentadura da sua me para uso prprio?...
- S pode ser doutor... Essa miservel capaz de tudo... uma unha-de-fome e s quer levar vantagem em tudo...
E ento depois da acusao dei a palavra para a defesa, falando para confundir a cabea da suspeita:
- Bom, agora chegou a hora de voc falar... Se for verdade a acusao da sua irm voc negue e se for mentira voc diga que verdade...
- mentira dela doutor, eu no roubei nada no... Ela est inventando tudo isso para que o senhor me prenda e ela fique com a herana s pra ela...
- Ta vendo que voc culpada?... Se eu mandar revista-la voc vai ser desmascarada, mas vamos fazer o seguinte para resolver o problema agora mesmo: Eu dou a minha palavra que no vou mandar prende-la, mas quero que voc seja sincera e fale somente a verdade que para a gente tentar fazer um acordo e terminar esse caso da melhor maneira possvel... Voc devolve a dentadura para a boca da sua me e eu prometo tambm que vou pedir ao Prefeito da cidade uma dentadura novinha para voc...
Ela pensou um pouco, olhou srio nos meus olhos e decidiu pelo melhor:
- Promete mesmo doutor?...
- Palavra de Delegado!...
- Fui eu mesma quem tirou a dentadura dela doutor... Ela no ia precisar mais mesmo... Eu ia lavar bem lavada e experimentar pra ver se dava em minha boca e dizer pra todos que tinha ganhado de um politico... Mas a o senhor que um homem bom j me prometeu uma nova e ento vou colocar a dentadura de volta na boca dela que pra ela ficar mais bonita quando for se apresentar a So Pedro...
De imediato levantou o vestido e tirou de dentro da calcinha uma nojenta e encardida dentadura. Naquele momento dei uma gargalhada, da telefonei para o Prefeito que concordou em mandar fazer uma dentadura para a pobre coitada, e ento finalizei o caso aconselhando:
- Esqueam o que aconteceu, pois o caso j est resolvido. No quero mais briga. Renam o pessoal que est a fora e v todo mundo logo para o cemitrio enterrar a me de vocs que j deve estar torrada nesse sol quente.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Ps-Graduado em Gesto Estratgica de Segurana Pblica pela UFS) [email protected] - [email protected]

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