Especialistas e estudos apontam que o feito at possvel, porm improvvel. Quando comparado ao uso de intervenes farmacolgicas e comportamentais, as chances de a pessoa conseguir largar o cigarro aumentam consideravelmente. o que explica a coordenadora da Comisso Cientfica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Maria Enedina Scuarcialupi:

No fcil largar sozinho, costuma ser a exceo. A grande maioria das pessoas precisa de ajuda, como terapia cognitiva comportamental, medicamentos e reposio de nicotina para superar a sndrome de abstinncia. Cerca de 5% param sozinhos, e por volta de 50% nos programas de cessao.

Os estudos que acompanham pessoas que querem parar de fumar mostram de fato essa realidade. Um dos mais recentes, conduzido por pesquisadores da University College of London, no Reino Unido, e publicado em janeiro na revista cientfica JAMA Network Open, analisou dados de 25 mil fumantes britnicos. Como resultado, aqueles que tentaram parar de fumar sem ajuda tiveram cerca de um tero a menos de chances de sucesso do que aqueles que usaram alguma forma de apoio.

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J uma reviso de 319 ensaios clnicos feita por pesquisadores das Universidades de Oxford e Leicester, com 157,2 mil voluntrios, concluiu que a cada 100 pessoas que tentam parar de fumar sem auxlio, apenas 6 conseguem. Essa proporo dobra para aqueles com mtodos de reposio de nicotina (12 a cada 100) e chega a 14 a cada 100 com o uso de medicamentos, segundo a publicao na Cochrane em 2023.

A partir do momento que se comea a usar o cigarro, os receptores de nicotina crescem em proporo geomtrica. Ns nascemos com esses receptores, porque a nicotina um neurotransmissor que usamos para outras coisas na vida, mas quando voc fuma, a nicotina entra no crebro em apenas nove segundos, e esses receptores aumentam muito. Se voc tinha 1, por exemplo, vira 4. E a vai se criando o quadro de dependncia. E quando voc para, entra num quadro de abstinncia muito grave. Por isso parar sem ajuda muito difcil, voc precisa dessensibilizar esse mecanismo aos poucos — explica Elnara Negri, pneumologista do Hospital Srio-Libans, em So Paulo.

O QUE FUNCIONA PARA LARGAR O CIGARRO?

Em julho do ano ado, a Organizao Mundial da Sade (OMS) lanou a 1 diretriz de tratamento clnico voltada para pessoas que querem deixar de fumar. O documento rene as intervenes consideradas eficazes para a cessao do tabagismo. A organizao estima que 60% dos 1,25 bilho de consumidores de tabaco pelo mundo (750 milhes) desejam largar o hbito e destaca que as recomendaes so vlidas tanto para o cigarro convencional, como para os eletrnicos, o artesanal, narguils, charutos, entre outros.

Segundo a nova diretriz, combinar remdios com intervenes comportamentais a forma mais eficaz de cessar o tabagismo. Entre as alternativas farmacolgicas, h a Terapia de Reposio de Nicotina (TRN), como adesivos, pastilhas e gomas de nicotina, e os remdios bupropiona, vareniclina e citisina.

J a interveno comportamental se caracteriza por estratgias como aconselhamento mdico, terapia comportamental cognitiva (TCC) e grupos de apoio. Qualquer estratgia, especialmente a medicamentosa, deve ser recomendada e supervisionada por um profissional.

A abordagem de terapia a inicial e funciona para entender de onde vem a dependncia, auxiliar a parar de fumar e a manter a abstinncia. uma interveno muito eficaz e d um e significativo principalmente no momento da abstinncia. Mas, para algumas pessoas que tm uma dependncia elevada, indicado tambm o uso de medicamentos — conta Mariana Pinho, coordenadora do projeto Tabaco da ACT Promoo da Sade.

O Sistema nico de Sade (SUS), por meio do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PCNT), oferece de forma gratuita o s terapias de reposio, bupropiona e a terapia cognitivo comportamental. Sobre os remdios, Elnara explica que a bupropiona “diminui a vontade de fumar por meio de mecanismos no crebro que promovem bem-estar e fazem o paciente sentir menos os efeitos da falta de nicotina”.

J a vareniclina e a citisina, os outros remdios indicados pela OMS, mas indisponveis no SUS, tm uma ao diferente: se ligam diretamente aos receptores de nicotina no crebro. A vareniclina uma alternativa mais antiga, mas que hoje no tem fcil o no Brasil nas farmcias, o que considerado um problema.

Infelizmente estamos ando por um momento de dificuldade no s no Brasil, mas em outros pases. Estamos sem por problemas qumicos, contaminao por metal pesado na sua fabricao, segundo a empresa responsvel. Mas aqui tambm no temos o genrico, a que outros pases j tm o — diz a coordenadora da SBPT.

A citisina tem sido testada apenas mais recentemente para auxiliar a cessao do tabagismo, mas os estudos j indicam um efeito positivo, tornando o frmaco a 1 nova opo em cerca de duas dcadas para ajudar a largar o cigarro. Em um dos trabalhos, publicado no peridico JAMA, 32,6% (um tero) dos participantes que receberam o medicamento continuavam em abstinncia trs meses aps interromperem o fumo, percentual que foi de apenas 7% no grupo placebo. O remdio, porm, ainda no foi aprovado com essa finalidade no Brasil.

Em relao aos medicamentos no SUS, em 2019 a Comisso Nacional de Incorporao de Tecnologias no SUS (Conitec) avaliou a incluso da vareniclina, mas recomendou que o frmaco no fosse ofertado na rede pblica pelo alto custo. Porm, em 2023, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publicou uma carta aberta em que defendeu oferecer o remdio no SUS citando a existncia da vareniclina genrica, que tem custo reduzido, e chamando j a ateno para a “tima eficcia e tolerabilidade” observada com a citisina, ainda que pendente de aprovao.

Fotos: Reproduo

Maria Enedina, da SBPT, diz que a entidade vai “buscar entender o processo para que a citisina, j utilizada em outros pases, inclusive na forma genrica, seja aprovada para uso no Brasil”. Hoje, 9,3% dos brasileiros com mais de 18 anos so fumantes, segundo a edio de 2023 do levantamento Vigitel, do Ministrio da Sade. H 35 anos, em 1989, esse percentual era de 34,8% da populao adulta, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Sade e Nutrio (PNSN) da poca.

CIGARROS ELETRNICOS NO SO ALTERNATIVA

Um mtodo que seria eficaz para reduzir o fumo convencional adotado por pases como Reino Unido e Sucia o uso de modelos eletrnicos que, embora sejam nocivos, causariam menos danos do que os tradicionais. No entanto, a estratgia no recomendada nem pela OMS, nem pelas especialistas brasileiras. Muitas evidncias mostram que uma parcela grande volta a fumar os convencionais e a a fazer o uso dos dois. Ento uma falsa premissa que os cigarros eletrnicos ajudam a parar de fumar, voc no se livra da dependncia de nicotina. Fora os problemas que o cigarro eletrnico continua a causar — diz Elnara.

Alm disso, Mariana, da ACT, afirma que tem se observado uma dependncia maior de nicotina com os cigarros eletrnicos do que a com os modelos convencionais, o que tem levado a uma nova gerao de fumantes. — As pessoas que consomem cigarros eletrnicos esto tendo muito mais dificuldade na hora de parar de fumar. Suspeitamos que seja porque a nicotina nos dispositivos eletrnicos tenha uma absoro muito mais rpida pelo organismo, e estabelea a dependncia qumica de forma mais significativa. Isso deixa a pessoa dependente mais rpido e com uma intensidade muito forte.

Fonte: O Globo