 Acabou a fase fcil da crise poltica brasileira. A delao da Odebrecht vem a, o que explica a pressa com anistias e similares. Tudo isso que vimos at agora, Dilma, o impeachment, Eduardo Cunha, o governo Temer, foi prlogo. O "Lehman Day" da poltica brasileira est chegando.
No impeachment, a direita conseguiu apresentar a crise opinio pblica como um escndalo de corrupo "normal", que exigia uma soluo "normal": um governo (o do PT) roubou dinheiro, derrubou-se o governo, deixou-se que a Justia fosse atrs dos afastados.
Se o problema fosse s esse, a crise poltica teria arrefecido desde que Dilma voltou para Porto Alegre. Arrefeceu?
E importante notar: mesmo depois da substituio de governo, estamos falando do mesmo escndalo. No que o PT tivesse suas roubalheiras e PMDB/PSDB/DEM tenham as suas. O cartel das empreiteiras o escndalo de todo mundo.
O cartel financiava todas as campanhas. O outdoor podia ser uma estrelinha anti-imperialista ou um tucaninho anticomunista, mas os dois eram pagos pela Odebrecht e suas companheiras de cartel.
Como mostrou artigo recente do cientista poltico Bruno Reis na "Ilustrssima", as regras do jogo poltico brasileiro ajudaram a criar o problema: as campanhas so caras e a lei de financiamento favorece os grandes doadores. Rever essas regras deve ser prioritrio a partir de agora, mesmo se boa parte dos delatados conseguir escapar.
Quanto aos planos de fuga: pode apostar, leitor, que j tem gente tentando desarmar a bomba enquanto ela construda. O cenrio ideal para a classe poltica que a Odebrecht s confesse que entregou dinheiro aos polticos, sem dizer que favor recebeu em troca.
fcil fazer isso: o favor principal era deixar o cartel funcionar, e difcil provar que cada deputado ou governador que recebeu dinheiro estava diretamente envolvido nessa negociao. Se forem delatados s por caixa dois, os polticos devem autoanistiar-se de um jeito ou de outro.
possvel resistir a isso? No fcil. Muitos empresrios que apoiaram o impeachment cansaram de turbulncia poltica. Tem muita gente torcendo para que algum tipo de anistia seja aprovado e o foco volte a ser o ajuste econmico.
Os partidos que apoiaram o impeachment perderam muito do entusiasmo por eatas agora que so governo (e alvos das investigaes). Uma aproximao dos no investigados de esquerda e direita seria bem mais fcil se o timing dos novos protestos no fosse suspeito: depois de expirar o prazo por novas eleies diretas, em que a esquerda teria alguma chance de vitria, o que no o caso na eleio pelo Congresso.
De qualquer forma, espero que algum dilogo entre os dois lados ainda seja possvel, nesse e em outros assuntos.
No fundo, as formas tradicionais de presso da opinio pblica perdem um pouco de eficcia no quadro atual: o sujeito pode perfeitamente deixar de apoiar Collor ou Dilma para ficar bem com a opinio pblica. Mas, se ele mesmo o acusado, de que adianta ficar bem com o pblico, votar contra a anistia a si mesmo, e ser preso trs meses depois? Para muita gente, no ser mais eleito j virou o menor dos problemas.
Folha de So Paulo
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