Meio Ambiente : Viagem ao Rio Negro marcou reencontro aps expedies pioneiras nos anos 1990
Enviado por alexandre em 25/04/2024 00:30:28

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Antes mesmo de comear, a Expedio DEGy Rio Negro tinha um gosto de saudosismo. Pelo menos para quatro integrantes do grupo que percorreu, por duas semanas, o rio Negro e afluentes, de Manaus a Santa Isabel do Rio Negro (no Amazonas).A viagem foi acompanhada pela Agncia FAPESP para a nova edio da srie Dirio de Campo.

Era um reencontro, aps quase 31 anos da primeira expedio do projeto Calhamazon. Em 1993, 1994 e 1996, os pesquisadores percorreram todo o rio Amazonas, coletando na calha principal e na foz de todos os afluentes. A primeira viagem durou 40 dias. As duas ltimas, 30. Foram 20 mil exemplares coletados, de 510 espcies, o que gerou uma srie de descobertas cientficas.

Em 2024, repetiram a parceria iniciada naquelas viagens o pescador e ex-funcionrio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa) Roberval Pinto Ribeiro e o tcnico de apoio pesquisa do Museu de Zoologia da Universidade de So Paulo (MZ-USP) Osvaldo Oyakawa, que estiveram nas trs expedies. A pesquisadora do Inpa Lcia Rapp Py-Daniel e a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Angela Zanata estiveram nas duas ltimas excurses.

"Foi minha primeira experincia na Amaznia e uma das mais marcantes da minha vida, principalmente pela diversidade de peixes. Fazemos muitas coletas no Sudeste, como no Vale do Paraba e no Vale do Ribeira, e se em duas semanas voltamos com 30 espcies, podemos ficar satisfeitos. Na Amaznia, voc vai num igarap pequeno e coleta 40, 50 espcies. Ento muito surpreendente",

conta Oyakawa, que ingressou como tcnico no MZ-USP em 1989 e em 1993 fazia seu doutorado na instituio.
Roberval Ribeiro e Osvaldo Oyakawa em dois momentos: durante uma das expedies do Calhamazon, nos anos 1990, e na Expedio DEGy Rio Negro, em 2024. Imagem: montagem de fotos de Phelipe Janning e do acervo dos pesquisadores

O projeto, cujo ttulo completo em ingls pode ser traduzido como "Diversidade de Peixes dos Principais Canais do Rio Amazonas", foi coordenado por John Lundberg, ento professor da Universidade Duke, transferido ainda em 1993 para a Universidade do Arizona. Atualmente, Lundberg aposentado pela Academia de Cincias da Universidade Drexel, antiga Academia de Cincias Naturais da Filadlfia, ambas nos Estados Unidos.

No Brasil, o Calhamazon contava com a colaborao de Narcio Menezes, professor do MZ-USP, para onde foi a maior parte do material coletado. O financiamento foi da National Science Foundation.

Osvaldo Oyakawa, Roberval Ribeiro, Angela Zanata e Lucia Py-Daniel: Expedio DEGy Rio Negro marcou reencontro trs dcadas depois do projeto Calhamazon . Foto: Phelipe Janning/Agncia FAPESP

"Foram anos de trabalho, muitas publicaes descrevendo novas espcies e outros estudos sobre taxonomia e biodiversidade, incluindo gentica molecular. Muitos ps-graduandos do Brasil, Estados Unidos e outros pases estudaram o material e obtiveram seus ttulos", conta Lundberg Agncia FAPESP.

"O principal legado do Calhamazon foi proporcionar a obteno, pela primeira vez, de um grande nmero de espcies de Gymnotiformes, os peixes-eltricos, inclusive poraqus, por meio de um mtodo de coletas nunca usado antes, em uma grande extenso da bacia amaznica. Esse fato possibilitou o incremento do estudo desses peixes em nosso pas", conta Menezes, que coordena o projeto "Diversidade e Evoluo de Gymnotiformes" (DEGy), apoiado pela FAPESP.

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O objetivo do Calhamazon era coletar o maior nmero possvel de peixes da calha do rio, por isso o nome. Essa parte mais profunda difcil de ser alcanada por outras artes de pesca, por isso, at ento, os organismos desse hbitat eram pouco conhecidos.

A inovao do projeto foi utilizar, no rio, o aparato adotado para a pesca de camares no mar. Na pesca de arrasto, como conhecida, o leito varrido por uma rede em formato de funil, com duas grandes portas pesadas que mantm a estrutura sempre aberta e no fundo.

"Lundberg havia realizado um estudo preliminar no Orinoco, na Venezuela, testando a rede de arrasto de fundo na calha do rio. Aquilo funcionou muito bem, ento ele e o professor Ning Labbish Chao, da Universidade Federal do Amazonas [Ufam], planejaram repetir em grande escala na Amaznia brasileira",

explica Py-Daniel, ento j pesquisadora do Inpa e que viria a fazer seu doutorado com Lundberg nos Estados Unidos a partir de 1993.

Antes de o projeto comear de fato no Brasil, os pesquisadores realizaram outro piloto, em 1991, dessa vez no rio Negro. A ideia era testar a viabilidade desse tipo de coleta no pas. Py-Daniel lembra de se surpreender com a diversidade encontrada ainda naquelas coletas de curta durao e prximas a Manaus.

"Ali j fiquei encantada com o tipo de fauna a que tivemos o, grupos de peixes que eu nunca nem tinha visto. Ento comeou a proposta do projeto. Foram dois anos para conseguir financiamento", lembra.

Tanto no Calhamazon como em projetos posteriores, como o que proporcionou a Expedio DEGy Rio Negro, uma figura fundamental foi Roberval Pinto Ribeiro. Pescador desde que se entende por gente, Ribeiro havia ingressado como tcnico de nvel mdio no Inpa pouco antes da primeira expedio do projeto norte-americano. J conhecido pelos cientistas, foi o homem certo na hora certa para conduzir as coletas.

Alberto Akama e Roberval Ribeiro realizam arrasto de fundo durante expedio do projeto Calhamazon. Foto: acervo dos pesquisadores

"Sempre pesquei e, quando fui contratado pelo Inpa, trabalhava em barco de pesca. Eu j tinha dado uma volta no mar em Belm, fui num daqueles barcos pesqueiros de camaro. Ento j sabia mais ou menos como funcionava o arrasto de fundo. Mas comecei a fabricar essas redes durante o Calhamazon, porque muitas eram destrudas no decorrer do trabalho. Ainda no barco, fiz cinco delas", lembra Ribeiro.

Um dos problemas do arrasto de fundo nos rios justamente a perda de redes. Emaranhadas em troncos ou mesmo em algum desnvel do leito fluvial, podem rasgar e se perder, ou mesmo causar acidentes srios. Nada disso ocorreu durante a DEGy Rio Negro.

Lundberg, porm, lembra que pouco depois de encerrado o Calhamazon, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, Venezuela e Peru sofreu um grave acidente no rio Orinoco, depois que a rede se prendeu em algum ponto do trajeto e o barco virou. Uma pesquisadora peruana morreu.

Desde ento, os cuidados so redobrados. O arrasto deve ser feito em baixa velocidade e sempre a favor da correnteza, para evitar algo parecido com o ocorrido no Orinoco. Com o barco em movimento, normalmente uma lancha de alumnio com motor de baixa potncia, uma pessoa lana os cabos que seguram a rede no rio e outra, logo em seguida, as portas. Enquanto o barco segue em linha reta por cerca de 15 minutos puxando a rede, um dos pesquisadores monitora o relevo do leito do rio por meio de um sonar.

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ada a experincia no Calhamazon, Ribeiro foi convidado a fazer parte de muitas outras expedies utilizando essa arte de pesca. Aos 70 anos e aposentado do Inpa, segue sendo o guia de pesquisadores nessa e em outras artes de pesca. Vivendo agora em Porto Velho, Rondnia, participa ainda de monitoramentos de fauna de peixes realizados por empresas e universidades.

"Ainda me ligam bastante, encomendando redes, chamando para algum novo projeto ou para construir gaiolas para piscicultura", diz o pescador.

"Foi uma experincia que me abriu muitas portas. Ainda no doutorado [com bolsa da FAPESP], fui convidada para ar um tempo na Universidade do Arizona, organizando o material coletado. Foi minha primeira vez nos Estados Unidos. Anos depois, recebi uma recomendao do Lundberg para um ps-doutorado na Smithsonian Institution, sob superviso do professor Richard Vari. Esse perodo me rendeu uma experincia de vida marcante, com aprendizado enorme e uma publicao superimportante, que me ajudou a conseguir meu emprego",

diz Zanata, h 20 anos na UFBA, onde recentemente se tornou professora titular.
Angela Zanata segura uma pirarara durante coleta do projeto Calhamazon. Foto: acervo dos pesquisadores

Py-Daniel j era pesquisadora do Inpa quando entrou para o projeto, mas graas a ele ingressou no doutorado na Universidade Duke, e o finalizou na Universidade do Arizona, ambas nos Estados Unidos, sob orientao de Lundberg. Desde ento, a pesca de arrasto de fundo foi utilizada pelo Inpa e outras instituies em muitas outras reas da Amaznia.

" um tipo de fauna de peixe que s encontramos com esse aparelho. Para minha carreirafoi fantstico, pois trabalho com bagres que ficam justamente nessa parte do rio e consegui coletar peixes para a minha tese que quase no existiam em colees at ento", lembra.

Com idade para se aposentar pelo MZ-USP, Oyakawa at ite deixar o trabalho de bancada, mas as expedies devem continuar fazendo parte dos seus dias.

"Depois de trabalhar 40 anos, natural que eu pense em me aposentar, mas para me ver livre de algumas obrigaes. Conheo gente em vrios lugares do Brasil e se me chamarem para uma expedio vou com todo o prazer. Eu gosto de estar no campo, algo que no tem preo para um bilogo, e fico muito contente de ter trazido para essa expedio jovens que ainda no conheciam a Amaznia", encerra.

Para acompanhar os outros episdios do Dirio de Campo, e: agencia.fapesp.br/diario-de-campo.

Os trs amigos: Osvaldo, Lucia e Angela repetindo a rotina de 30 anos antes, quando atuaram juntos no projeto Calhamazon. Foto: Phelipe Janning/Agncia FAPESP

*O contedo foi originalmente publicado pela Agncia FAPESP, escrito por Andr Julio ePhelipe Janning

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