Se voc demorar oito minutos para ler este artigo, pode ter certeza de que, ao terminar, mais um brasileiro ter perdido a vida em razo de um acidente de trnsito. Este ano, segundo as projees do Observatrio Nacional de Segurana Viria sobre os dados informados pelo consrcio de empresas que istra o seguro obrigatrio para veculos, Seguradora Lder DPVAT, aproximadamente 60 mil pessoas morrero nas ruas, avenidas e rodovias do pas, vitimas de acidentes de trnsito. So mortes estpidas e doloridas, mas no so trgicas, como se costuma dizer. Tragdia o que no se pode evitar, o resultado de uma catstrofe que se abate sobre determinada populao e contra a qual no h como se precaver, por desinformao, falta de recursos ou mera incapacidade. Foi trgico, por exemplo, o tsunami no Japo, em 2011, que matou 11 mil pessoas – um desastre natural que teria de se repetir cinco vezes em um ano para chegar perto da dimenso do que ocorre no trnsito brasileiro. 2948t Acidentes de trnsito podemser apropriadamente comparados com doenas e epidemias, mais do que com calamidades. Suas causas so diagnosticveis. Suas circunstncias podem ser estudadas. E sua ocorrncia pode ser reduzida com uma srie de medidas profilticas. A dengue faz 1 300 vtimas fatais ao ano no pas, e mataria muito mais se no houvesse uma mobilizao nacional contra ela. Governos investem no combate ao mosquito e chamam a populao a colaborar destruindo focos de proliferao. A conscientizao chega ao ponto em que a maioria dos cidados sabe dos riscos, boa parte teme as consequncias de conviver com eles e muitos contribuem tomando atitudes prticas para sua reduo. A imprensa, por seu lado, trata com nfase o problemasempre que as partes deixam de cumprir seu papel. No se chega erradicao da doena, mas h certeza de que a inao produziria um quadro muito pior.Outra praga, a gripe H1N1, corretamente tratada quase como uma questo de segurana nacional, controlada nos limites em que est, demoraria 527 anos para ceifar a mesma quantidade de vidas perdidas por atitudes de condutores, pedestres imprudentes e autoridades relapsas. As aes positivas e com resultado contra o inimigo quase invisvel das epidemias, surpreendentemente, no se repetem no enfrentamento do gigantesco e onipresente problema da segurana viria. Houve enorme progresso nos ltimos anos em vrios aspectos relacionados ao tema, mas eles pouco se traduzem na reduo das mrbidas estatsticas. Motociclistas, quase unanimemente, usam capacetes nas grandes cidades. Os veculos ganharam novos dispositivos de segurana. Gasta-se algum dinheiro com sinalizao de trnsito e recuperao de rodovias. Algumas estradas adotaram padres mundiais de qualidade. Campanhas so realizadas para educar pedestres e condutores. As ciclovias comeam a tornar-se uma realidade em algumas cidades. Mas o nmero de mortos continua crescendo. H quem veja razes econmicas para o fenmeno. A classe C chegou ao mercado de carros novos, que bate recorde sobre recorde, e a D sustenta o de usados, quase sempre com manuteno inadequada. Mas a responsabilidade desse processo na produo de acidentes fatais tem de ser delimitada ao seu real e pequeno papel – e tambm combatida com a efetiva fiscalizao e retirada de circulao dos veculos imprestveis, para os quais, alis, nem existem depsitos que venham a dar conta de tamanha frota sucateada que circula em nossas cidades. Por outro lado, conformar-se com mais acidentes apenas porque h mais veculos em circulao equivale a itir absoluta incompetncia na gesto do problema – como se fosse natural, por exemplo, aceitar que mais gente deve morrer de fome na medida em que aumenta a quantidade de habitantes do planeta. O fato que no h desculpas para se abarrotar leitos hospitalares, centros de fisioterapia, filas de aposentados por invalidez e cemitrios em razo de um processo socialmente suicida estabelecido no trnsito. Existe informao sobre como e por que ocorrem os acidentes. H tecnologia para reduzir os pontos crticos do sistema virio. No faltam rgos oficiais encarregados desse assunto nem gente competente em muitos deles. Verbas de divulgao no parecem ser o problema de prefeituras, estados e Unio, onipresentes na publicidade para, como se diz, “prestar contas sociedade” sobre os feitos das autoridades de planto. Cidados que j perderam familiares ou estiveram eles prprios envolvidos em situaes de perigo ao volante ou diante de um veculo tambm h milhares, milhes, de algum modo, prontos a ajudar como vozes de liderana numa luta coordenada e efetiva contra essa verdadeira doena. O Observatrio Nacional de Segurana Viria nasceu com a proposta de ser um elo entre todas essas partes, um ponto equidistante de todos os atores, que capta e realiza estudos, encontra propostas e sugere parcerias para encaminh-las, contribui para a descoberta de solues viveis e orientadas numa nica direo: a de poupar vidas com a ampliao da cidadania e da urbanidade. O OSNV quer ajudar a encontrar a vacina contra os males do trnsito. Jos Aurlio Ramalho Diretor Presidente Observatrio Nacional de Segurana Viria
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