Amaznia desponta como nova fronteira global do petrleo 4e2f1f
Data03/04/2025 00:44:00 | Topico:Brasil
Em cinco dcadas, a explorao petrolfera no bioma desmatou florestas, contaminou guas, despejou gases na atmosfera, invadiu territrios indgenas e aprofundou desigualdades. Agora, uma nova onda exploratria ameaa repetir essa histria 63f2l
Navio petroleiro Anrietta descarrega produtos derivados de petrleo em Georgetown, Guiana. Foto: Victor Moriyama/InfoAmazonia
Publicado originalmente por InfoAmazonia 6dl4p
A Amaznia concentra grande parte das descobertas recentes de petrleo e gs natural do mundo, consolidando-se como uma nova fronteira global para a indstria fssil.
Quase um quinto das reservas mundiais encontradas entre 2022 e 2024 est na regio, principalmente na costa do extremo norte da Amrica do Sul, entre Guiana e Suriname. Essa riqueza tem atrado crescente interesse internacional, tanto de empresas da cadeia petrolfera quanto de pases vizinhos como o Brasil, que busca explorar sua prpria margem.
No total, a regio amaznica acumula em torno de 5,3 bilhes de barris de leo equivalente (boe) dos cerca de 25 bilhes descobertos globalmente no perodo, segundo nossa anlise a partir de informaes do Monitor de Energia Global, que coleta dados sobre infraestrutura energtica ao redor do mundo.
“A Amaznia e os blocos offshore adjacentes representam uma grande parcela das recentes descobertas de petrleo e gs no mundo”, afirmou Gregor Clark, coordenador do Portal Energtico para a Amrica Latina, plataforma ligada ao Monitor de Energia Global. Para ele, esse avano, porm, “ incompatvel com as metas internacionais de reduo de emisses e traz consequncias ambientais e sociais significativas, tanto em escala global quanto local”.
Alm das reservas j identificadas, a Amaznia concentra uma grande proporo de reas sub-exploradas na Amrica do Sul. A regio abriga 794 blocos de petrleo e gs — reas oficialmente delimitadas para a explorao, sem a garantia da existncia de recursos. Quase 70% desses blocos na Amaznia esto em fase de estudo ou disponveis para oferta ao mercado, ou seja, ainda improdutivos.
Em contraste, 60% dos cerca de 2.250 blocos sul-americanos fora do bioma j esto concedidos – liberados para a busca de reservas e a extrao de recursos –, consolidando a Amaznia como um caminho promissor de expanso da indstria. Isso o que revela nossa anlise a partir de dados dos pases amaznicos compilados at julho de 2024 pelo Instituto Internacional Arayara, que monitora atividades petrolferas na regio. De todo o territrio amaznico, apenas no existem blocos petrolferos na Guiana sa, onde os contratos so proibidos por lei desde 2017.
A nova onda exploratria que se desenha coloca em risco um bioma essencial para o equilbrio climtico global e as populaes que nele vivem, justamente quando o mundo intensifica os debates sobre a reduo da dependncia de combustveis fsseis.
“No adianta falar em desenvolvimento sustentvel se a gente segue explorando petrleo”, disse o lder indgena guianense Mario Hastings. “Precisamos de uma mudana real, que inclua as comunidades indgenas e respeite nossos direitos”.
Essa investida da indstria do petrleo sobre a Amaznia o que explora, a partir desta primeira de uma srie de reportagens, o projeto transfronteirio At a ltima Gota. O especial jornalstico realizado pela InfoAmazonia, em parceria com GK, Ojo Pblico e Rutas del Conflicto, e republicado na ntegra por ((o))eco, envolveu uma srie de anlises de dados aprofundadas, dezenas de entrevistas e investigaes de campo em cinco pases que compreendem mais de 80% do bioma: Brasil, Colmbia, Equador, Guiana e Peru.
Ao longo do ltimo ano, esse amplo esforo jornalstico mapeou os danos socioambientais provocados por mais de 50 anos de extrao de petrleo na Amaznia e os riscos de incurses mais recentes. A investigao tambm explorou as engrenagens econmicas e polticas que alimentam as novas expectativas em torno do velho e conhecido petrleo.
Abundante em recursos naturais, a Amaznia raramente colhe os frutos da explorao. Pelo contrrio: a srie mostra que, enquanto metade do leo sul-americano destinado a economias estrangeiras e seus royalties geram mais desigualdades que progresso local, permanecem na regio o desmatamento e as guas contaminadas por suas operaes.
Enquanto as petroleiras planejam extrair at a ltima gota de leo da floresta tropical e de sua costa, suas atividades atropelam unidades de conservao e territrios indgenas. Na Amaznia, 81 blocos concedidos se sobrepem a 441 terras ancestrais, e outros 38 blocos liberados afetam 61 unidades de conservao. Alm disso, entre os blocos em fase de estudo ou oferta, 114 esto situados em terras indgenas e 58 em reas naturais protegidas, segundo a anlise do projeto.
Blocos concedidos na Amaznia se sobrepem a 441 terras indgenas e 61 unidades de conservao.
Esse movimento expansionista – que mantm o modelo extrativista predominante desde a colonizao europeia das Amricas – se vale de acordos desfavorveis s populaes locais, provoca conflitos internos em comunidades impactadas e atrai grupos armados a reas ricas em recursos naturais que carecem de servios e presena estatal.
Costa amaznica: a nova corrida do petrleo 5m6l3r
A Guiana, pequena e at ento discreta nao sul-americana, tornou-se o epicentro das recentes descobertas globais de petrleo, emergindo como a “nova Dubai” do leo – expresso usada principalmente pelos estrangeiros de empresas recm-estabelecidas no pas.
O petrleo levou sua populao a testemunhar um boom econmico, mas tambm a enfrentar desafios como a alta da inflao e o agravamento da desigualdade social. Ao mesmo tempo, as operaes da cadeia petrolfera ameaam os impressionantes 90% de territrio guianense ainda cobertos pela Amaznia.
“O mundo est caminhando para um futuro sem combustveis fsseis, mas a Guiana est se abrindo para o petrleo e o gs”, disse a ambientalista guianense Sherlina Nagger. “Nossos lderes esto do lado errado da histria”.
Alm da Guiana, as recentes e tambm volumosas descobertas no vizinho Suriname reacenderam o interesse pela margem equatorial, faixa costeira de milhares de quilmetros prxima linha do Equador, predominantemente tomada pelo bioma amaznico.
Na regio, a Venezuela renovou seu interesse em anexar Essequibo, territrio guianense disputado pelos imprios espanhol e britnico no sculo 19, que voltou a ser foco de tenses devido ao seu potencial petrolfero.
J o Brasil, que abriga a maior extenso dessa rea estratgica, enfrenta empecilhos para explor-la. Isso inclui um histrico de perfuraes malsucedidas desde a dcada de 1970 e, mais recentemente, repetidas negativas estatal Petrobras para conduzir pesquisas no bloco 59. Ele est localizado na Foz do Amazonas, trecho do bioma amaznico onde o rio Amazonas desgua no oceano Atlntico.
MAIS DE 92% dos blocos em alto mar da Amaznia esto em fase de estudo ou oferta ao mercado
Em maio de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama) negou o pedido da Petrobras de explorar o bloco. O parecer do rgo, assinado por 26 analistas e reiterado em fevereiro de 2025, apontou falhas nos planos de emergncia da estatal, o que traria riscos a ecossistemas amaznicos sensveis. Essa regio abriga a maior rea contnua de manguezais do mundo e um grande sistema de recifes, recentemente descrito, que guarda grande potencial cientfico e ecolgico.
Pesquisadores tambm alertam para as graves ameaas ao clima da atividade naquela rea. “Abrir novas reas para explorao de petrleo na Amaznia vai contra as recomendaes do Acordo de Paris para limitar o aquecimento global”, criticou Philip Fearnside, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia. “Alm disso, os riscos de vazamentos de petrleo nesta regio seriam catastrficos”.
Apesar dos riscos, o interesse da Petrobras em explorar a margem equatorial no arrefeceu. Com a polmica ganhando destaque no incio de 2024, o ento presidente da estatal, Jean Paul Prates, afirmou que a companhia iria extrair “at a ltima gota de petrleo” do pas.
Aps divergncias com o governo brasileiro, Prates foi substitudo em maio de 2024 por Magda Chambriard, que atuou por cinco anos como diretora-geral da Agncia Nacional do Petrleo. Ao assumir o cargo, ela mostrou que a estatal seguia determinada a avanar com o plano estratgico. “A gente no pode desistir da margem equatorial”, disse.
Ecoando a posio de Chambriard, as principais autoridades do governo brasileiro tm manifestado apoio extrao. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, prega “toda a cautela” para garantir uma explorao segura, enquanto Alexandre Silveira, de Minas e Energia, sugeriu que a Guiana est “chupando de canudinho” o leo da regio diante da inao do Brasil.
Apesar das diferenas no tom entre as autoridades, a defesa pela explorao da rea converge em um argumento familiar: desenvolver a economia local por meio de royalties e da gerao de empregos. No fim das contas, a operao j tratada como certa.
“Ns vamos explorar a margem equatorial, no tem porque [no explorar]”, disse o presidente Luiz Incio Lula da Silva em uma entrevista em junho de 2024.
Sob presso poltica, a ministra do Meio Ambiente e Mudana do Clima, Marina Silva, vem reafirmando que a deciso do Ibama, vinculado ao seu ministrio, “tcnica”. Ela tambm refora a importncia de seguir os procedimentos do rgo para evitar danos ambientais “irreparveis” regio.
A margem equatorial brasileira j est completamente delimitada por blocos petrolferos, embora a maioria ainda no tenha sido concedida, segundo nossa anlise. Alm disso, mais de 92% dos blocos offshore (em alto mar) da Amaznia ainda esto em fase de estudo ou disponveis para oferta ao mercado.
O petrleo da Amrica Latina est fortemente voltado para o mercado externo, segundo dados da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP). Atualmente, pelo menos metade da produo exportada, principalmente para os Estados Unidos e a China, e a projeo de um progressivo aumento nas exportaes nas prximas dcadas.
Os dados da OPEP no trazem o recorte da regio amaznica. No entanto, o fato de abrigar vrias reservas disponveis para licitao do mercado sugere que o bioma tambm pode ter um papel crescente na oferta internacional de petrleo.
Equador e Peru: legado de explorao – e danos 3r5a6l
Se a explorao petrolfera d seus primeiros os na margem equatorial, pases como Equador, Peru e Colmbia j somam dcadas de extrao na Amaznia. Enquanto ajudou a impulsionar suas economias, a atividade tambm aprofundou os danos ao bioma.
No Equador, o petrleo responde por mais de 7% do PIB nacional, mas sua explorao teve uma mdia de dois vazamentos de leo por semana nos ltimos anos no pas. Entre 1 de janeiro de 2020 e 30 de abril de 2022, foram registrados 630 vazamentos, sendo 97% deles provocados por estatais do pas.
Na Amaznia equatoriana, acidentes se repetem desde a dcada de 1970, quando a americana Texaco (hoje Chevron) abriu a primeira grande fronteira de explorao no bioma. Na poca, a petroleira provocou graves vazamentos e descartou resduos txicos de forma inadequada, contaminando rios e solos e impactando comunidades. Esse caso tornou-se um dos mais emblemticos de prejuzos ambientais associados indstria petrolfera no mundo.
Apesar de sustentar que remediou os danos, a Texaco at hoje contestada na Justia por grupos indgenas. Quando a concesso da americana expirou, na dcada de 1990, a estatal Petroecuador assumiu suas operaes, ampliando a produo e perpetuando os impactos.
Hoje, a Petroecuador a principal responsvel pelo desenvolvimento de reas petrolferas na Amaznia equatoriana. Nossa anlise mostra que a estatal istra 24 blocos de petrleo e gs, o maior nmero dentro do Equador e o segundo maior entre os pases amaznicos, atrs apenas da brasileira de gs natural Eneva.
Entre as operaes da Petroecuador, est o controverso Bloco 43, no Parque Nacional Yasun, que protege uma das regies mais biodiversas do mundo e povos indgenas em isolamento. Em agosto de 2023, um referendo histrico determinou o fim da explorao petrolfera no Yasun. O governo teve o prazo de um ano para encerrar as atividades, mas nesse perodo quase no avanou, limitando-se a criar uma comisso para supervisionar as aes aprovadas na consulta popular.
“Esto violando o mais importante que qualquer sistema democrtico possui: a vontade dos cidados nas urnas”, criticou Alex Rivas Toledo, antroplogo e autor de um livro sobre os povos isolados do Yasun.
A extrao nesse parque no exceo, e sim uma tendncia preocupante no Equador. Ao todo, 21 blocos j esto concedidos dentro de unidades de conservao da Amaznia equatoriana, somando mais de 7.000 km de sobreposio – a maior rea entre os pases analisados.
Das 15 nacionalidades indgenas do Equador, 11 esto localizadas na Amaznia, onde seus territrios tambm conflitam com a explorao petrolfera. Blocos concedidos no pas afetam 207 territrios indgenas, novamente o maior entre os pases analisados, com uma sobreposio de quase 21.000 km na Amaznia.
O Peru ocupa a segunda posio do ranking, com quase 14.000 km de rea de blocos petrolferos sobrepostos a 143 terras indgenas. Essa realidade afeta principalmente as etnias Kichwa, Waorani e Achuar, que habitam ambos os pases.
Entre outras reas, os Kichwa e Waorani ocupam o parque equatoriano de Yasun, enquanto os Achuar vivem no estado de Loreto, um dos maiores produtores de petrleo e gs do Peru. Embora essa regio peruana tenha a maior arrecadao de royalties de petrleo do pas, suas populaes, incluindo as indgenas, enfrentam a pobreza e a falta de servios como o o sade.
A populao de Loreto lida com os impactos da explorao petrolfera desde a dcada de 1970, quando a primeira grande fronteira de petrleo foi aberta na Amaznia peruana. No caso dos Achuar, suas terras se sobrepem aos blocos 8 e 192, que esto entre os mais antigos e que lideram o ranking de multas ambientais da regio, conforme nossa anlise com dados do rgo peruano de Avaliao e Fiscalizao Ambiental (Oefa, na sigla em espanhol).
Nos ltimos 13 anos, o bloco 8 acumulou 88 multas relacionadas explorao de petrleo, maior somatrio de infraes na Amaznia peruana. J o bloco 192, que abriga a maior reserva petrolfera do pas, vem na sequncia, com 35 multas. Ambos esto paralisados por questes contratuais.
Eles tambm lideram o ranking de vazamentos de leo. Em duas dcadas, um levantamento da organizao Oxfam contabilizou 189 vazamentos no bloco 8, seguido pelo bloco 192, com 155 vazamentos.
Ao contrrio do Brasil, atividades petrolferas em territrios indgenas so permitidas no Equador e Peru, desde que realizada uma consulta prvia s comunidades afetadas. Mas na prtica, esse processo muitas vezes ocorre atropelando as legislaes ou sequer realizado.
“O negcio petrolfero parece ser lucrativo apenas se, no clculo das empresas, o meio ambiente ou a prpria vida das comunidades forem descartados”, criticou David Daz valos, assessor da organizao Povos Indgenas Amaznicos Unidos em Defesa de seus Territrios.
Queima de gs afeta amaznidas 2z4z1r
Alm da extrao de petrleo, a queima de gs natural (ou gas flaring) associada atividade alarmante na Amaznia. Geralmente visveis a quilmetros de distncia, chamas intensas ardem no topo de torres metlicas, liberando o gs excedente da explorao de petrleo diretamente na atmosfera. Esse processo gera emisses de CO₂ e metano, gs com potencial de aquecimento mais de 20 vezes superior ao CO₂.
Apesar dos danos causados pela prtica s mudanas climticas e sade humana, vrios pases continuam a permiti-la. Ela particularmente comum em regies remotas, como a Amaznia, onde a falta de infraestrutura dificulta a captura e o processamento do gs.
Em 2023, o Equador queimou 1,6 bilho de metros cbicos de gs em operaes de petrleo e refinarias na Amaznia, mais do triplo de todo o consumo anual de gs natural no pas. Isso representa 82% de todo o gs queimado dentro do bioma naquele ano, segundo nossa anlise com informaes da SkyTruth Flaring, plataforma que usa imagens de satlite para detectar a queima de gs associado extrao de petrleo ao redor do mundo.
Entre 2012 e 2023, a atividade despejou 17,6 bilhes de metros cbicos de gs dentro da Amaznia. O Equador manteve a liderana disparada, concentrando 75% desse total, o que representa 34 milhes de toneladas CO₂ equivalentes jogadas na atmosfera.
Internamente, o Equador tenta reagir contra essas emisses. Em 2021, uma corte regional determinou ao governo eliminar parte dos mecheros (chamins de queima de gs) da indstria petrolfera prximos a reas povoadas das provncias amaznicas. No entanto, a sentena ainda no foi totalmente cumprida.
“Crescemos ao lado de mecheros petrolferos que, por mais de meio sculo, trouxeram morte, destruio e pobreza para nossa Amaznia”, disseram em um manifesto um grupo de jovens mulheres amaznidas que, junto a uma organizao de vtimas da antiga Texaco, movem a ao judicial pelo fim da queima de gs no Equador.
1,2 milho de pessoas afetadas por queima de gs na Amaznia
Em toda a Amaznia, a queima de gs afeta cerca de 1,2 milho de pessoas que vivem em um raio de at cinco quilmetros das chamins, com uma situao especialmente grave, respectivamente, na Bolvia, no Equador e na Venezuela. O dado vem de nossa anlise, que se baseia em estimativas de densidade populacional da Kontur e em um estudo da Clean Air Task Force que adotou a mesma distncia para avaliar os riscos sade das populaes.
Colmbia: Transio enfrenta obstculos 5r5v6i
Desde que assumiu o cargo em 2022, o presidente Gustavo Petro tenta colocar a Colmbia na contramo de outros pases da Amaznia, propondo medidas ambientalmente ambiciosas: a proibio de novas exploraes de petrleo e gs; o fim do fraturamento hidrulico (ou fracking) – tcnica que utiliza a injeo de fluidos em alta presso para extrair petrleo e gs de forma mais agressiva ao meio ambiente; e a interrupo de projetos de explorao offshore.
No entanto, Petro esbarra nos 381 contratos de petrleo e gs vigentes que precisam ser respeitados e na insistncia do setor em buscar novas reservas, sob o argumento de que o pas dispe de menos de uma dcada de petrleo para suprir o consumo interno. Com isso, as pesquisas avanam: entre 2022 e 2024, a Colmbia figurou entre os 15 pases com maior volume de reservas descobertas, segundo o Monitor de Energia Global. Alm disso, em 2024, as estatais Ecopetrol, da Colmbia, e Petrobras, do Brasil, encontraram novas reservas de gs natural no pas.
As operadoras com maior nmero de blocos concedidos na regio amaznica so a Gran Tierra Colombia (subsidiria da canadense de mesmo nome), a Amerisur Exploracin Colombia (subsidiria da chilena GeoPark e tambm conhecida como Nueva Amerisur) e a estatal Ecopetrol. Elas esto entre as operadoras cujos blocos mais acumulam multas ambientais na Amaznia colombiana, principalmente devido contaminao da gua e do solo por vazamentos de leo, segundo informaes do Ministrio da Defesa sobre as penalidades aplicadas no pas.
Elas tambm somam episdios de desrespeito a populaes locais. Nos ltimos anos, o povo Aw vem cobrando na Justia que a Ecopetrol repare os danos causados por uma srie de vazamentos em seu territrio. Em 2022, a Gran Tierra Energy enfrentou crticas por violaes dos direitos do povo Inga relacionados a um projeto petrolfero. No mesmo ano, a Nueva Amerisur virou alvo de uma ao internacional por seus impactos ao povo Siona.
Segundo nossa anlise, 79 terras indgenas e 30 unidades de conservao esto sobrepostas por blocos petrolferos concedidos na Amaznia colombiana, somando cerca de 2.600 km de sobreposio com reas protegidas.
A situao se agrava com a presena de guerrilhas em reas petrolferas da Amaznia colombiana. O Acordo de Paz de 2016 buscou encerrar dcadas de conflito, mas desencadeou disputas entre dissidncias e novos grupos armados pelo controle de reas ricas em recursos naturais, anteriormente dominadas pelas Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia.
Uma comisso da verdade, criada aps o acordo de paz, revelou que petroleiras se valeram do conflito para contratar a segurana de grupos com vnculos paramilitares e contar com a proteo estatal, enquanto comunidades locais enfrentaram, ao mesmo tempo, a violncia armada e a explorao petrolfera desenfreada em seus territrios.
Relatrios da comisso e investigaes jornalsticas apontaram ainda que milhares de ataques a oleodutos por guerrilhas, alm do roubo de leo, foram usados como ttica militar, em punio pelo no pagamento de extorses a petroleiras. Esses atentados causaram danos ambientais irreversveis, contaminando rios, comprometendo o o gua potvel e ameaando espcies da Amaznia e outras regies.
Essas prticas no cessaram aps o acordo de paz ou com a recente aposta de Gustavo Petro em proteo ambiental – ao contrrio. “O controle desses atores armados sobre os territrios est cada vez mais visvel e frequente”, disse Mara Espinosa, advogada da organizao Amazon Frontlines, que trabalha com comunidades amaznicas afetadas pela combinao de guerrilha e explorao petrolfera. “Est cada vez mais violenta”.
Mas as falhas no controle dos impactos do petrleo na Amaznia so evidentes mesmo em contextos menos dramticos. “No existe explorao de petrleo e gs segura, todos os empreendimentos possuem escapes, possuem vazamentos”, comentou Luiz Afonso Rosrio, da organizao 350.org Brasil.
Ele destaca que, h dcadas, o petrleo tem sido apresentado como uma promessa de libertao econmica para os pases sul-americanos. No entanto, ele ressalta: “O que ns vemos so todas as mazelas sociais que a esto, e s meia dzia enriqueceu”.
Para Rosrio, esse abismo entre as promessas e a realidade na Amaznia traz uma necessidade urgente de um debate mais amplo e inclusivo sobre o futuro do bioma. “Vo rasgar a Amaznia com mais infraestrutura para privilegiar a indstria fssil. Ns deveramos estar investindo em energias renovveis”, alerta.
*A reportagem contou com as contribuies de Fbio Bispo, Isabela Ponce, Emilia Paz y Mio, Pilar Puentes e Arams Castro
Esta reportagem faz parte do especial At a ltima Gota, produzido com o apoio da Global Commons Alliance, um projeto patrocinado pela Rockefeller Philanthropy Advisors.