Em novembro de 2025, Belm, no corao da Amaznia, receber a 30 Conferncia das Naes Unidas sobre Mudana do Clima (COP 30). Para o Brasil, essa ser uma oportunidade de se colocar no centro das discusses climticas globais, sediando o evento justamente na regio mais simblica para a crise ambiental. Pela primeira vez, lderes mundiais, cientistas, ativistas e comunidades locais estaro reunidos dentro da floresta para debater os caminhos da poltica climtica internacional. Mas h um paradoxo difcil de ignorar: enquanto o pas se prepara para receber uma das conferncias mais importantes sobre o futuro do clima, a Amaznia seca, queima e agoniza. O estado que sediar o evento j sente os impactos severos da crise hdrica e climtica.
A destruio da floresta no s um problema ambiental – uma questo de sobrevivncia. A Amaznia regula o regime de chuvas em boa parte da Amrica do Sul, garantindo umidade para lavouras, abastecendo rios que sustentam milhes de pessoas e estabilizando o clima em um dos pases mais biodiversos do mundo. Quando rvores so derrubadas, o ciclo hidrolgico entra em colapso: menos evaporao, menos chuvas, mais secas e eventos extremos. O impacto j sentido: secas prolongadas, enchentes severas e crises de abastecimento de gua se tornaram parte da nova realidade.
Apesar de os dados de desmatamento na Amaznia terem reduzido no ano ado, o Par, anfitrio da COP 30, lidera h 9 anos os ndices de desmatamento e degradao da floresta. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia (Imazon), em 2024, o estado registrou 1.260 km de floresta destruda, um aumento de 3% em relao ao ano anterior, mantendo-se no topo da lista dos que mais desmatam a Amaznia. A degradao florestal, que antecede o desmatamento total, cresceu 421% no mesmo perodo, reduzindo drasticamente os nveis dos rios que abastecem milhes de pessoas. Sem floresta, no h umidade suficiente para manter as chuvas, e sem chuvas, a seca se espalha. As consequncias so falta de gua, colheitas comprometidas e energia hidreltrica em risco.
E no s o Brasil que sente esse impacto. Com menos floresta, os “rios voadores” – correntes de ar que transportam umidade da Amaznia para outras regies – perdem fora, ocasionando estiagens mais severas, quebra de safras e impactos diretos no abastecimento hdrico e na economia. Em 2023, o Rio Negro enfrentou a pior seca em 120 anos, enquanto estados como Mato Grosso e So Paulo registraram estiagens prolongadas que prejudicaram lavouras e o abastecimento de gua. Como se no bastasse, as queimadas transformaram esses rios de umidade em “corredores de fumaa”, espalhando partculas txicas para diversas regies do pas.
Alm do desmatamento, o fenmeno El Nio intensificou as secas, reduzindo ainda mais os nveis dos rios e deixando comunidades inteiras isoladas, sem o gua potvel e alimentos. Em 2023, a combinao de El Nio com a degradao ambiental provocou uma das piores secas j registradas na Amaznia, comprometendo a subsistncia de milhares de pessoas.
Se o desmatamento atingir entre 20% e 25% da floresta, cientistas alertam que a Amaznia pode perder sua capacidade de regenerao, transformando-se em uma savana degradada. Isso significaria o fim no s da biodiversidade, mas tambm de um ecossistema essencial para a regulao climtica global.
Vale destacar que os povos indgenas e ribeirinhos, que h sculos protegem a floresta, hoje so os que mais sofrem com a destruio da Amaznia. A seca de 2023, a mais severa em 121 anos, secou rios, inviabilizou a pesca e comprometeu a agricultura de subsistncia. Parece absurdo que uma regio que concentra 81% da gua doce do Brasil tenha 60% de sua populao sem o gua potvel. Como se no bastasse, a crise hdrica aprofundou desigualdades sociais: escolas foram fechadas, postos de sade ficaram inveis e as poucas alternativas econmicas se esgotaram, aprofundando desigualdades histricas. Se a COP 30 pretende deixar um legado real, precisa garantir medidas concretas para fortalecer a resilincia dessas populaes, protegendo seus territrios e assegurando soberania alimentar e adaptao climtica efetiva.
Belm ser o epicentro do debate climtico mundial da COP 30 enquanto enfrenta uma de suas piores crises hdricas. Enquanto diplomatas discutem solues para o futuro, milhes de brasileiros j sofrem com a falta d’gua. O colapso dos rios amaznicos no uma previso para o futuro – ele est acontecendo agora.
Se queremos um legado real, precisamos de medidas concretas e urgentes: ampliar a fiscalizao, combater o desmatamento ilegal, proteger os territrios indgenas, restaurar reas degradadas e implementar um plano de segurana hdrica para o Norte do pas. O Brasil tem ferramentas subutilizadas que podem ajudar nessa transformao, como o embargo remoto, a jurimetria para anlise de responsabilizaes, a validao de Cadastros Ambientais Rurais e o fortalecimento do Acordo de Escaz. Dados de recentes estudos da Plataforma JusAmaznia tambm apontam para a necessidade de aprimoramento do Sistema de Justia na defesa do meio ambiente amaznico, especialmente em Aes Civis Pblicas sobre desmatamentos ilegais e processos em defesa de territrios tradicionais, responsveis por proteger boa parte das nascentes e vegetao nativa do bioma. A crise climtica e hdrica j chegaram, e seus impactos sero irreversveis se o pas falhar em assumir sua responsabilidade.
A COP 30 precisa ser um marco na defesa das guas da Amaznia. O Brasil no pode tratar a floresta apenas como um triunfo diplomtico enquanto a crise hdrica se agrava diante dos olhos do mundo. A Amaznia, que sempre abasteceu os rios voadores e regulou o clima de todo o continente, sofre com secas histricas, deixando cidades sem gua, lavouras sem colheita e comunidades inteiras sem meios de subsistncia. Sem gua, no h floresta. Sem floresta, no h chuva. Sem chuva, a Amaznia entra em colapso – e com ela, todo o Brasil. A floresta precisa ser um modelo de desenvolvimento sustentvel, onde a floresta em p represente no apenas biodiversidade, mas tambm qualidade de vida, soberania alimentar e justia climtica. Com a contagem regressiva iniciada, a pergunta que fica : conseguiremos agir antes que a ltima chuva caia?
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