Brasil : Degradao da Amaznia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo perodo
Enviado por alexandre em 22/05/2025 00:32:53

'Saldo negativo' da proteo do bioma registrado entre 2022 e 2024 pode comprometer metas internacionais do Brasil, alertam pesquisadores do Inpe e colaboradores na revista Global Change Biology

O acelerado crescimento da degradao da Amaznia brasileira, causado principalmente por incndios, ofuscou a expressiva queda do desmatamento entre 2022 e 2024. Esse “saldo negativo” na proteo do bioma compromete as metas internacionais de combate crise climtica assumidas pelo pas, que neste ano sede da Conferncia das Naes Unidas sobre Mudana do Clima (COP30).

O alerta vem de um artigo publicado na revista Global Change Biology por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em parceria com a Universidade de So Paulo (USP) e instituies do Reino Unido e dos Estados Unidos. Enquanto o desmatamento remove totalmente a cobertura de vegetao nativa, a degradao enfraquece a floresta sem destru-la por completo (por exemplo, por meio do corte seletivo de rvores).

Segundo o estudo, os alertas de degradao na Amaznia subiram 44% de 2023 para 2024 – 163% em relao a 2022. Isso significa que somente no ano ado 25.023 quilmetros quadrados (km2) de floresta foram degradados, sendo cerca de 66% por incndios florestais. Trata-se de uma rea maior do que o Estado de Sergipe.

No sentido oposto, o desmatamento caiu, respectivamente, 27,5% e 54,2%, representando o menor incremento em dez anos. Foram 5.816 km2 desmatados no perodo referente a 2024, de acordo com dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amaznica Brasileira por Satlite (Prodes), do Inpe.

“A degradao um processo mais difcil de ser identificado do que o desmatamento porque ocorre enquanto ainda existe a floresta em p. decorrente principalmente do fogo, que nos ltimos dois anos foi agravado pelo cenrio de seca na Amaznia. H ainda o corte seletivo de rvores e o efeito de borda. Tudo isso diminui os servios ecossistmicos prestados por essas florestas. O entendimento desse dado contribui para a formulao de polticas pblicas”, diz Guilherme Mataveli, ps-doutorando na Diviso de Observao da Terra e Geoinformtica do Inpe.

Entre 2023 e 2024, uma forte seca atingiu a Amaznia, com dficits de precipitao de 50 a 100 milmetros ao ms; aumento de temperatura acima de 3 C e atraso na estao chuvosa, deixando os rios em nveis mnimos. Com isso, o bioma registrou no ano ado o maior nmero de focos de calor desde 2007 – foram 140.328 no total.

Primeiro autor do artigo, Mataveli faz parte do laboratrio Tropical Ecosystems and Environmental Sciences (Trees), liderado pelos pesquisadores Luiz Arago, que tambm assina o trabalho, e Liana Anderson.

Para Arago, a importncia do estudo foi demonstrar que hoje os satlites – tecnologias espaciais crticas para o pas e utilizadas no sistema de monitoramento do Inpe – j permitem a deteco dos processos de degradao. “Esses processos vinham comprometendo a integridade de nossas florestas de forma silenciosa. As tecnologias atualmente conferem no s capacidade de monitorar os eventos, reportar as emisses de carbono associadas, seus impactos no ambiente, na populao e no clima planetrio, como tambm permitem o planejamento estratgico para uma gesto territorial sustentvel e de baixo carbono”, diz o pesquisador do Inpe e coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanas Climticas Globais (PFPMCG).

E completa: “A liderana do Brasil no cenrio internacional em relao a aes de combate s mudanas climticas e perda da biodiversidade depende de respostas eficazes degradao florestal. Reportar as emisses associadas a esses processos um caminho sem volta dentro dos Inventrios Nacionais de Gases de Efeito Estufa. Portanto, a intensificao de medidas de controle, com a implantao de polticas consistentes que abordem esse processo, torna-se uma prioridade nacional”.

O Brasil foi o primeiro pas a entregar Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima (UNFCCC) a nova Contribuio Nacionalmente Determinada (NDC, sigla para Nationally Determined Contributions). Nela, assume o compromisso de reduzir de 59% a 67% as emisses lquidas de gases de efeito estufa at 2035 em comparao com os nveis de 2005 (850 milhes a 1,05 bilho de toneladas de CO2 equivalente).

As NDCs so as metas de cada pas para reduzir a emisso de gases estufa e evitar que o aumento mdio da temperatura global ultrae 1,5 C, conforme estabelecido no Acordo de Paris. Elas devem ser revisadas e atualizadas at a COP30, que acontece em novembro, em Belm (PA).

Impacto 73on

Embora no remova totalmente a vegetao nativa, a degradao degenera a floresta que “sobra”, afetando a biodiversidade e reduzindo a capacidade de fornecer servios essenciais, como a captura de carbono e a regulao do ciclo da gua, funes vitais para a resilincia do ecossistema.

Pesquisas anteriores j mostraram que quase 40% das florestas em p na Amaznia so degradadas por fatores como incndios, efeito de borda, extrao ilegal de madeira e eventos extremos de seca, enfatizando ainda mais a escala e a importncia do problema. Nesse cenrio, as emisses de carbono da perda gradual de vegetao – entre 50 milhes de toneladas e 200 milhes de toneladas ao ano – foram equivalentes ou at maiores do que as por desmatamento – entre 60 milhes de toneladas e 210 milhes de toneladas/ano (leia mais em: agencia.fapesp.br/40568).

No artigo publicado agora, os cientistas sugerem que sejam adotados esforos para a melhoria do manejo de incndios, juntamente com projetos de restaurao e reflorestamento em larga escala. Outro caminho uma integrao dessas estratgias com mercados de crdito de carbono, criando incentivos financeiros para que proprietrios de terras, empresas e comunidades locais adotem prticas sustentveis.

Eles apontam ainda desafios no aprimoramento de rastreio e quantificao da degradao, alm da criao de mecanismos para responsabilizar responsveis.

O estudo teve apoio da FAPESP por meio do Centro de Pesquisa e Inovao de Gases de Efeito Estufa (RCGI); de um Projeto Temtico liderado pelo pesquisador Paulo Artaxo, do Centro de Estudos de Sustentabilidade Amaznica da Universidade de So Paulo (USP); e de bolsas concedidas a Mataveli (19/25701-8 e 23/03206-0) e a Lucas Maure, do Inpe (24/06641-2). Artaxo e Maure tambm so autores do trabalho.

O artigo Forest Degradation Is Undermining Progress on Deforestation in the Amazon pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.70209.

  • Luciana Constantino 6i6h4w

    Jornalista com mais de 25 anos de experincia em redao, escreve sobre cincia, meio ambiente e desenvolvimento humano. Foi editora executiva no jornal O Estado de S.Paulo. Tambm foi reprter e editora na Folha de S.Paulo.

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