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Os riscos desses acidentes ainda ameaam comunidades ribeirinhas e costeiras devido ao contato direto com o rio e o mar.
A Amaznia Legal tem se mostrado cada vez mais vulnervel aos desastres naturais influenciados pelas mudanas globais do clima. De 1995 a 2024, houve um aumento de 1.789% nos registros de eventos climticos na Amaznia: foram 1.425 ocorrncias no ano ado, contra 37 no incio da srie analisada pela InfoAmazonia, com base nosdados do Sistema Integrado de Informaes de Desastres da Defesa Civil.
Os eventos hidrolgicos, como enxurradas, inundaes e alagamentos, so os mais recorrentes na regio, representando aproximadamente 64% de todos os desastres naturais. Ainda segundo dados do Sistema Integrado de Informaes de Desastres da Defesa Civil, foram contabilizados 3.430 desastres desse tipo entre 1995 e 2024. Esta predominncia est diretamente ligada relao das cidades amaznicas com os rios.
O Par lidera o ranking de desastres hidrolgicos na Amaznia Legal, com 1.147 registros entre 1995 e 2024 (33% do total). Em seguida, temos Amazonas, com 716 ocorrncias, Mato Grosso (541), Maranho (483) e Tocantins (238). Rondnia (97), Acre (89), Roraima (73) e Amap (46) apresentam menor incidncia dos eventos, mas seguem o mesmo perfil, com mais desastres relacionados gua como o principal problema enfrentado nas ltimas trs dcadas.
A Defesa Civil Nacional define desastres como eventos graves naturais ou humanos que causam danos vida, ao ambiente e economia. Eles so classificados em naturais (como meteorolgicos, climatolgicos, geolgicos e hidrolgicos) e humanos (como acidentes com produtos perigosos ou incndios). A Defesa Civil responsvel por monitorar e agir para reduzir os impactos desses eventos no Brasil.
Entre os naturais, est o desastre climatolgico de chuvas. A Classificao e Codificao Brasileira de Desastres (Cobrade), criado pelo Ministrio de Integrao e Desenvolvimento Regional, define que esse tipo ocorre quando h grande volume de chuva em pouco tempo. Elas podem provocar inundaes (transbordamento de rios), enxurradas (escoamento rpido em terrenos inclinados) e alagamentos (acmulo de gua por falha na drenagem urbana).
De acordo com o Atlas de Desastres Brasileiro, documento que disponibiliza dados sobre desastres no pas, com base no Sistema Integrado de Informaes sobre Desastres, essa interao de todos os eventos monitorados pela Defesa Civil Nacional leva a extremos com impactos significativos para o ecossistema, populaes e atividades econmicas na regio. A sistematizao dos dados permite ter um panorama de situaes de emergncia no perodo de 1995 a 2024.
Municpios lderes em desastres 6g6e5h
O levantamento mostrou ainda quais so os municpios com mais registros em cada estado da Amaznia. No Par, destaca-se Oriximin, localizado a 881 km de Belm, com um total de 139 casos de desastres naturais. J em Mato Grosso, o municpio com maior nmero de ocorrncias foi Sorriso, a 398 km de Cuiab, com 61 casos — a maioria relacionada a incndios florestais.
No Amazonas, Manacapuru, a 93 km de Manaus, registrou 37 casos, todos associados a inundaes. Esses eventos no ocorrem de forma isolada, mas so intensificados por fatores crticos, como as mudanas climticas globais, o fenmeno El Nio — que se caracteriza pelo aquecimento anormal das guas do Oceano Pacfico e afeta o clima em vrias partes do mundo, alterando os padres de chuva e temperatura —, e tambm pela oscilao de temperatura no Atlntico Norte tropical, que influencia diretamente o regime de chuvas na bacia amaznica.
Tanto Mato Grosso, Rondnia e Roraima apresentaram mais registros de desastres climatolgicos, provocados principalmente pela escassez de chuvas. Mato Grosso registrou 333 casos de incndios florestais, Rondnia e Roraima registraram respectivamente 52 e 38 casos de estiagem
A estiagem um perodo de baixo ou nenhum registro de chuva, j a seca definida como uma estiagem mais prolongada, provocando um grande desequilbrio hidrolgico.
e
secaPerodo prolongado de tempo seco, com baixa precipitao ou ausncia de chuva.
.
Apesar de Mato Grosso ter registrado a maior quantidade de incndios florestais, e Roraima e Rondnia apresentarem como principais desastres a estiagem e seca, a maioria dos registros na Amaznia decorrente de
inundaes. Esse tipo de tragdia vem impactando milhes de pessoas que vivem prximas aos rios, igaraps e do mar.
A complexidade dos desastres na Amaznia evidencia a necessidade de estratgias integradas de gesto de riscos, que considerem as particularidades de cada estado e seus desafios especficos. Alm disso, essencial reforar iniciativas de conservao ambiental e polticas pblicas que promovam a resilincia das populaes afetadas e a proteo dos ecossistemas, assegurando o equilbrio ecolgico e a qualidade de vida na regio.
Inundaes na zona costeira 33zz
A regio amaznica, em sua vasta extenso, apresenta uma disposio a desastres naturais, resultado da interao entre fatores climticos, hidrolgicos e meteorolgicos. No entanto, dentro deste cenrio, destacam-se reascomo a Zona Costeira Amaznica, que considerada uma zona permanentemente de risco.
A Zona Costeira Amaznica possui um litoral que se estende por 1.294 km, abrange os estados do Amap, Par e parte do Maranho, cuja caracterstica principal a presena marcante da Foz do Amazonas
A Foz do Amazonas a regio onde o rio Amazonas se encontra com o oceano Atlntico, na costa da Amaznia brasileira, especificamente nos estados do Amap e Par.
. Essa regio agravada tanto pelos processos naturais caractersticos de zonas costeiras, como eroso, aumento do nvel do mar e mudanas na dinmica sedimentar, quanto pela influncia direta do oceano, que intensifica os impactos locais.
Segundo a doutora em geologia e pesquisadora no Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Estado do Amap (IEPA), Valdenira Santos, essa proximidade com o oceano influencia as dinmicas ambientais e sociais at 800 km rio adentro, moldando o ritmo de vida das comunidades locais por meio do fluxo contnuo das mars.
“Um exemplo relevante a foz do rio Amazonas, que inclui a parte norte da Ilha do Maraj e o litoral do Amap. Nessa regio, a intruso de gua salgada vinda do oceano pode alcanar grandes extenses devido topografia plana e baixa. Os principais problemas enfrentados por essas zonas incluem inundaes e processos de eroso costeira”, comenta a pesquisadora.
As constantes alteraes na costa so frequentemente relatadas por muitas comunidades da Foz do Amazonas. Fenmenos como invaso salina, inundaes, eroso e acreo tm se tornado mais frequentes e severos, especialmente sob o impacto das mudanas climticas e da elevao do nvel do mar.
Municpios como Macap, no Amap, que se encontra no canal norte da Foz do Amazonas, e Chaves, no Par, que est no canal sul, integram a Zona Costeira de Baixa Elevao. Essa regio caracterizada por reas com uma elevao de menos de dez metros, aproximando-se ao nvel mdio do mar. Com a caracterstica do terreno baixo e plano, o risco de inundao na regio da foz do rio Amazonas aumenta.
Valdenira Santos explica, ainda, que essa a dinmica hidrolgica do rio Amazonas est diretamente relacionada periodicidade da Zona de Convergncia Intertropical, um sistema que regula os padres de chuvas na regio. Alm disso, tambm influenciada pelo “El Nio” e “La Nia”. Quando o rio Amazonas atinge seu pico mximo de volume de gua devido s chuvas intensas, ocorrem inundaes fluviais que se espalham por diversos rios da regio.
“Na Foz do Amazonas temos o encontro com o mar. O mar traz duas vezes por dia, no nosso caso aqui, as mars que elas sobem e descem. Com a alquota mxima [nvel mximo] do rio, e a mar subindo e descendo, temos um nvel d’gua que mais exacerbado. Por isso, vemosinundaes, principalmente em dias de lua cheia, devido a gravidade lunar que puxa a gua em direo lua e cria grande mars”, comenta Santos.
No distrito da Vila de Nascimento, que fica a 115 km da sede do municpio de Chaves, na Ilha do Maraj, no Par, houve uma inundao em 2019, segundo dados do Sistema Integrado de Informaes sobre Desastres. Estima-se que o desastre tenha atingido 1.627 pessoas, entre elas alunos da escola municipal Jlia de Paula Moraes e destrudo arelas. A gua tambm foi contaminada devido ao transbordamento dos banheiros (fossa rudimentar), morte de animais de espcies bubalinos e sunos, impossibilitando que 283 alunos tivessem o escola entre os meses de maro e abril.
A diretora Renata Melo, da escola Jlia de Paula Moraes, explica que, quando a mar vinda do oceano chega com fora, ela avana sobre a terra, causando a queda de pontes. Mesmo durante o perodo de “mar morta”, em que o rio Amazonas apresenta menor volume, ela avana de forma mais lenta, mas ainda assim provoca danos, como a degradao dos portos e a intensificao da eroso.
“Quando est esse perodo de mars perigosas, a gente suspende as aulas e suspende tambm os alunos que moram perto da escola, porque eles precisam fazer esse percurso por ponte.s vezes, a ponte est tomada de espinhos e de lixo que a mar traz,servindo de alojamento para animais peonhentos como cobra, escorpio. J aconteceu muito”, diz Melo.
A eroso um outro problema que vem afetando as comunidades da regio litornea de Chaves. Segundo os dados Atlas de Desastres Brasileiro, a eroso o desastre mais comum no municpio de Chaves.
Renata diz que, apesar de as casas nas comunidades no serem atingidas, frequente que as famlias sejam transferidas para outros lugares. Dona Lucivalda Monteiro, moradora da comunidade do rio Tartaruga, 124 km da sede do municpio de Chaves, conta que, quando era criana, orio era bem estreito, mas, com a intensificao da eroso, h uns dez anos para c, precisou recuar sua casa para evitar perd-la.
“Ns desmanchamos a antiga casa, construmos esta, e j construmos outra aqui para trs porque est aqui j est bem na beira. Tem que ver no inverno mesmo, que muita maresia das embarcaes que andam por dentro, n? A que cai”, explica Dona Lucivalda.
Totalizando os danos de todos os desastres ocorridos no municpio de Chaves e apresentados no Atlas de Desastres Brasileiro, os custos podem ultraar R$ 11,2 milhes. Os eventos aumentaram a vulnerabilidade das comunidades, provocando prejuzos materiais, risco sade, dificuldades no abastecimento de gua potvel e nas atividades essenciais de subsistncia, como a pesca e a criao de animais.
O bailar das ilhas a1f6l
Outra regio que vem sendo atingida pelas mudanas costeiras associadas a eventos climticos e hidrolgicos extremos o arquiplago do Bailique, distrito localizado a 180 km de Macap, no Amap. Atualmente, vivem cerca de 12 mil pessoas no arquiplago, distribudas em 52 comunidades, divididas em doze ilhas banhadas pelo rio Amazonas, com o apenas por via fluvial.
O nome Bailique deriva do tupi e significa ilhas que bailam, fazendo uma referncia ao processo de constante mudana da regio. A pesquisadora Valdenira Santos fala que no s o Bailique que “baila”, mas todas as ilhas da Foz do Amazonas tm esse mesmo comportamento. Esse processo natural e motivado pela quantidade de partculas de barro vindo na gua do rio Amazonas, unindo corrente fluvial e as variaes de mar.
“[Isso ocorre] exatamente devido s correntes, do material sempre disponvel que depositado nas beiradas das ilhas ou removido no processo de eroso fluvial e depositado em outros lugares. So envolvidos trs principais fenmenos nesse processo muito peculiar da regio da foz do rio Amazonas: a eroso, a acreo e o transporte de sedimentos”, completa a pesquisadora.
O fenmeno da acreo se refere formao de praias devido ao acmulo de sedimentos, conhecido como “acamamento de mar”. Trata-se da deposio de camadas de lama e areia que, com o tempo e de forma constante, acabam emergindo. Depois, essas reas am a ser ocupadas por manguezais e vegetao de vrzea.
Por no se tratar de um solo consolidado, e devido fora da correnteza ou variao da mar, ocorre o processo de eroso — outro fenmeno caracterstico da foz do rio Amazonas. Com a retirada do material das margens ou do fundo do rio, esses sedimentos erodidos so transportados para outras regies, reiniciando o ciclo de acreo, eroso e transporte sedimentar.
Apesar dessas constantes alteraes serem naturais, pesquisadores e as prprias comunidades comearam a notar que elas esto cada vez mais intensas nos ltimos cinco anos. Ainda no se confirmou se ocorrem devido mar do oceano ou ao aumento da fora de corrente do rio Amazonas. A eroso vem atingindo fortemente as comunidades do centro do arquiplago do Bailique e causando danos humanos, materiais e afetivos com as comunidades.
Geov Alves, morador da comunidade Vila Macednia e presidente da Associao das Comunidades Tradicionais do Bailique – ACTB, diz que sua comunidade era totalmente diferente, tendo trs vezes o tamanho que tem hoje. Conta que o processo de eroso ficou mais forte a partir de 2018-2019, onde ainda existia metade da comunidade e moravam cerca de 1.200 habitantes. Hoje so apenas 600.
“Ns j perdemos trs fileiras de arela
Estruturas de madeira construdas para permitir a circulao dos moradores entre as casas e reas comuns da comunidade. Como a regio cercada por rios e sujeita a inundaes frequentes, essas arelas funcionam como “ruas elevadas”.
. Cada arela tem dois terrenos de 30 metros cada um. Ento, foram 180 metros que a gente j perdeu s de comunidade, fora a rea que tinha na frente. Tinha uma escola l na frente, tinha um campo de futebol e tinha uma arela enorme, com vrias casas, que j se perdeu”, lembra Geov.
A pesquisadora Valdenira Santos acompanha a situao da eroso nas comunidades de Chaves, no Par, e do Bailique, no Amap, por meio do Observatrio Popular do Mar (OMARA). O projeto tem como objetivo monitorar os impactos desse fenmeno, coletando dados diretamente das observaes realizadas pelos moradores locais para subsidiar iniciativas voltadas soluo do problema. Santos destaca que, apesar das dificuldades e dos prejuzos j enfrentados, as comunidades da Foz do Amazonas tm uma notvel capacidade de adaptao. Contudo, ela ressalta que para que essas adaptaes sejam eficazes e alinhadas s necessidades locais, fundamental compreender em profundidade como os fenmenos ocorrem na regio.
“Por exemplo, eu no posso construir uma escola, um posto de sade, numa zona de eroso. Mas como que voc vai saber disso? No s olhando. Voc tem que ir l. Voc tem que medir, voc tem que fazer anlise de satlite, saber quanto a velocidade de corrente para voc saber se a corrente ainda est forte o suficiente ou no para manter aquele processo. Tem que saber como esse fundo de rio. Ento, voc pega todas essas informaes morfolgicas, hidrodinmicas, e a consegue dar um diagnstico e um prognstico. Dessa forma, eu posso me antecipar aos problemas e no deix-los chegar para a gente tentar tomar solues imediatas”, comenta a pesquisadora.
Os dados do Atlas de Desastres Brasileiro mostram que do total de registros de desastres ocorrido em Macap, 32% foram na regio do Bailique, em sua maioria do tipo eroso. Em 2017 e 2018, o evento afetou 1390 pessoas, alm de ter deixado 514 casas destrudas ou danificadas. Consta, ainda, que houve a destruio total de aproximadamente 2.400 metros de arelas; danos na rede de distribuio eltrica com a queda de postes e danos parciais em unidades de sade e ensino.
Mais recentemente, em 2021, houve dois registros de eroso e, em 2023, mais outro. O desastre afetou o abastecimento e a distribuio de gua potvel e de eletricidade das duas maiores comunidades do arquiplago, Vila Progresso e Macednia. Estima-se que os desastres j tenham causado em reais R$ 39,4 milhes, mais da metade desse valor, cerca de 72%, foi danos em habitao da populao do Bailique.
A Defesa Civil do Amap no informou quanto vem destinando para responder desastres do tipo eroso nas comunidades, reforou que a assistncia prestada s famlias est na ajuda humanitria com cesta de alimentos e gua potvel. No entanto, no informou quanto foi gasto nesse perodo.
Esta reportagem foi produzida por jornalistas bolsistas da segunda edio do curso de Jornalismo Investigativo Ambiental e Geojornalismo, oferecido com o apoio da Earth Journalism Network da Internews, e parte do eixo educacional daInfoAmazonia.