Ao longo da ltima semana, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), organizaes indgenas criticaram a tentativa de explorao de petrleo na Amaznia, a falta de demarcao de territrios e a manuteno da Cmara de Conciliao do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).
Essas e outras contradies da terceira gesto de Lula (PT) foram debatidas durante o 21 Acampamento Terra Livre (ATL), que reuniu cerca de 7 mil indgenas em Braslia, entre 7 e 11 de abril. O evento uma iniciativa da Articulao dos Povos Indgenas do Brasil (Apib), organizao que rene representantes indgenas de todos os estados do pas.
Cerca de 7 mil indgenas compareceram ao ATL em 2025, em Braslia. Fotos: Fbio Bispo/InfoAmazonia
Lula no visitou o acampamento, no recebeu lideranas indgenas no Palcio do Planalto e tampouco anunciou novas demarcaes — ao contrrio do que ocorreu no evento nos anos anteriores. A ausncia do presidente em 2025 foi interpretada pela Apib como um sinal do ime entre os diferentes partidos que compem a coalizo do governo — que abriga tanto setores comprometidos com a agenda socioambiental quanto foras polticas abertamente contrrias pauta.
“Sabemos quem est do nosso lado e quem no est neste espectro de composio que o governo est composto”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador da organizao. Ele afirma que o Congresso “na sua grande maioria formado por parlamentares contrrios causa indgena”.
A InfoAmazonia entrou em contato com a Secretaria de Comunicao da Presidncia para falar sobre as reivindicaes dos povos indgenas e a ausncia de Lula no ATL. At a publicao desta reportagem, o rgo no havia se posicionado.
Povos indgenas na COP30 6b5p6a
A participao indgena efetiva durante a 30 Conferncia das Naes Unidas sobre Mudana do Clima (COP30) foi um dos temas centrais do ATL de 2025. O evento ser em Belm, no Par, em novembro deste ano.
“Queremos estar nas negociaes. No aceitamos mais decises tomadas a portas fechadas sobre nossas vidas, territrios e saberes. A cincia j reconheceu que somos parte da soluo para a crise climtica — por isso, queremos participar das decises e apontar caminhos concretos”, afirmou Dinaman Tux, tambm coordenador da Apib.
Queremos estar nas negociaes. No aceitamos mais decises tomadas a portas fechadas sobre nossas vidas, territrios e saberes. A cincia j reconheceu que somos parte da soluo para a crise climtica — por isso, queremos participar das decises e apontar caminhos concretos.
Dinaman Tux, coordenador da Apib
Considerando que as terras indgenas protegem cerca de 20% das florestas brasileiras, uma das principais reivindicaes dos povos a incluso da demarcao dos seus territrios na Contribuio Nacionalmente Determinada (NDC), a meta climtica criado pelos pases que am o Acordo de Paris para reduo das emisses de gases de efeito estufa (GEE) no mundo.
As NDCs de cada um dos pases signatrios sero discutidas na conferncia em Belm. O Brasil se comprometeu a reduzir as emisses lquidas de gases-estufa no pas de 59% a 67% at 2035, em comparao aos nveis de 2005. No entanto, a proteo dos territrios indgenas no consta explcita no documento como parte desta estratgia.
Para defender a demarcao de terras como uma poltica climtica, os indgenas criaram a campanha “A resposta somos ns”, que tem a adeso de organizaes de outros pases — tambm estiveram presentes no acampamento representantes de povos da Colmbia, Peru, Suriname, Guiana sa, Bolvia, Equador, Oceania e Austrlia.
InfoAmazonia, a ministra do Meio Ambiente e Mudana do Clima, Marina Silva, explicou que ser necessrio um grande esforo para uma possvel incluso da demarcao de territrios na NDC brasileira, j que as metas so “uma metodologia das Naes Unidas”, mas que isso “no impede que internamente os pases faam seus arranjos nacionais”.
“Agora, qualquer coisa que mude essa metodologia, do ponto de vista global, uma negociao que envolve 195 pases, mas cada pas livre para ter o seu prprio processo. Nada impede que a gente busque um caminho, porque de fato os povos indgenas so responsveis pela reduo de emisso de CO2”, disse a ministra.
Nada impede que a gente busque um caminho [para incluir a demarcao nas metas climticas do Brasil], porque de fato os povos indgenas so responsveis pela reduo de emisso de CO2
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudana do Clima
No caso do Brasil, Silva disse que vai levar a demanda para o Comit Interministerial de Mudana do Clima, que envolve 26 ministrios e coordenado pela Casa Civil, com a coordenao-executiva do Ministrio do Meio Ambiente (MMA).
Na quinta-feira (10), Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indgenas, anunciou a criao da Comisso Internacional Indgena para a COP30. O rgo ser responsvel por desenvolver o credenciamento dos povos indgenas, que deve servir de modelo para as conferncias futuras. Tambm sero realizadas reunies com pases-membros e outras agncias da ONU para apresentar as demandas dos povos.
A comisso faz parte do Crculo de Liderana Indgena, anunciado pelo presidente da COP30, Andr Lago, em maro deste ano, e ser presidida pela ministra Guajajara, com participao organizaes como a Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira (Coiab), a Apib e o G9 da Amaznia Indgena, que rene representaes dos nove pases da Amaznia Internacional.
Foz do Amazonas e a transio energtica 431a5w
As ministras Marina Silva e Sonia Guajajara se posicionaram contra a explorao de petrleo na Amaznia.
Marchando em direo ao Congresso junto com os indgenas, Silva disse InfoAmazonia que o governo est comprometido com a transio energtica e o fim dos combustveis fsseis.
“Mesmo que a gente consiga alcanar o desmatamento zero, as emisses geradas pelas florestas so 10% das emisses globais. Mais de 80% [das emisses globais] vm de carvo, petrleo e gs. Por isso, a COP28 estabeleceu a transio para o fim dos combustveis fsseis com pases desenvolvidos. Pases em desenvolvimento vm em seguida. O Brasil est comprometido com a agenda da transio energtica de forma justa e planejada”, disse.
No entanto, a ministra no confirmou se haver a liberao da explorao de petrleo na Foz Amazonas, indicando que a deciso depende de grupo mais amplo dentro do governo, do qual o MMA faz parte: “Quem decide sobre a matriz energtica o Conselho Nacional de Poltica Energticas”, afirmou.
Marina Silva diz que pas est comprometido com reduo dos combustveis fsseis, mas que deciso sobre Foz do Amazonas depende de grupo mais amplo no governo. Foto: Fbio Bispo/InfoAmazonia
A explorao de petrleo na Foz do Amazonas aguarda anlise do pedido de licenciamento ambiental, que j foi negado trs vezes pela rea tcnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama). Alm disso, um leilo para outros 47 blocos na regio est marcado para 17 de junho.
“ contraditrio o governo dizer que precisamos fazer uma transio energtica justa e ao mesmo tempo leiloar novos blocos na Foz do Amazonas. Essa uma preocupao grande, porque quem de fato impactado somos ns”, defendeu Luene Karipuna, da Terra Indgena (TI) Ua, uma das que podem ser impactadas com a explorao de petrleo na Foz do Amazonas.
Presente no ATL, o cacique Raoni Metuktire — lder do povo Kayap de 93 anos, que subiu a rampa do Planalto com Lula em janeiro de 2023 — disse que “as pessoas no indgenas” esto atacando os povos “por causa dos recursos naturais” existentes nos territrios.
No incio deste ms, ele se encontrou com Lula e pediu que o presidente no avance com a explorao de petrleo na Foz do Amazonas. “Se isso acontecer [a explorao do petrleo], eu sou paj tambm, eu j tive contato com espritos que sabem do risco que a gente tem de continuar trabalhando dessa forma: de destruir, destruir e destruir, com consequncias muito grandes, que no conseguiremos parar”, alertou o lder ao presidente.
MPI pode se retirar de conciliao no STF 2j2o5i
Na sexta-feira (11), ltimo dia do evento, a Apib divulgou o documento final do ATL. A carta elenca as principais reivindicaes dos povos indgenas que, apesar de terem conquistado protagonismo em cargos estratgicos no governo federal — como o Ministrio dos Povos Indgenas (MPI) e a Fundao Nacional dos Povos Indgenas (Funai) —, ainda enfrentam a falta de oramento e de autonomia.
“Representao sem estrutura no transforma realidades. Reivindicamos oramento, pessoal e autonomia para polticas pblicas feitas de parente para parente, respeitando a diversidade de nossos povos e territrios”, diz trecho do documento.
Em marcha at o Congresso Nacional, organizaes indgenas levaram uma rplica da esttua da Justia. Foto: Jullie Pereira/InfoAmazonia
Outro ponto destacado , mais uma vez, o marco temporal, em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma Cmara de Conciliao, criada pelo ministro Gilmar Mendes. A mesa discute as alteraes legislativas aprovadas pela Lei 14.701/2023, que promove a abertura dos territrios para a explorao econmica e altera os processos de demarcaes.
“A terra nossa por direito – no invadimos territrio de ningum. Confiamos no Supremo Tribunal Federal, que j declarou a inconstitucionalidade do marco temporal e agora tem o dever de proteger novamente nossos direitos”, defendem os indgenas na carta.
A Apib se retirou da Cmara em agosto do ano ado denunciando “condies inaceitveis” para o dilogo. O movimento pede o fim da conciliao e classifica a negociao como “maior retrocesso desde a Constituio de 1988 para os povos indgenas”, segundo declarou Kleber Karipuna.
No entanto, a conciliao segue mantida por Mendes mesmo sem a principal organizao indgena do pas. Em fevereiro deste ano, o ministro chegou a incluir a minerao nos territrios como uma das propostas da mesa.
InfoAmazonia, Sonia Guajajara sinalizou que o MPI tambm poder se retirar da conciliao. Segundo a ministra, o rgo se manteve na mesa para “fazer a defesa dos povos indgenas”.
“No momento que a gente percebe que no possvel continuar e estabelecer nenhum consenso, a gente tambm vai fazer essa avaliao e dar um o atrs”, afirmou Guajajara.
Os indgenas denunciam que a conciliao sofre presso do Congresso, que, por meio de seus participantes na mesa, estaria fazendo lobby para beneficiar mineradoras e garimpeiros.
“Tanto que o advogado da Potssio do Brasil, mineradora que est tentando explorar potssio no territrio do povo Mura, no Amazonas, esteve a todo momento incidindo na conciliao. Na nossa avaliao, a proposta de minerao que veio de Gilmar Mendes tem total contribuio do advogado da Potssio do Brasil”, afirmou Karipuna em coletiva aos jornalistas durante o acampamento.
Nesta tera-feira (15), o ministro Gilmar Mendes receber uma comitiva do povo Munduruku. A lder Alessandra Munduruku afirmou InfoAmazonia que “o ministro est do lado do agronegcio e das mineradoras” e que os povos indgenas no vo desistir da sua luta contra a Cmara de Conciliao.
“A gente sabe que ele uma cascadura. Sabemos que ele defende o agronegcio. Ns vamos dizer pra ele parar com a mesa de conciliao, porque ns sabemos por onde a o agronegcio e a gente vai pra luta. No podemos ter medo do ministro Gilmar”, declarou Alessandra Munduruku.
Alessandra Munduruku diz que povos indgenas no vo desistir da luta contra a Cmara de Conciliao. Foto: Fbio Bispo/InfoAmazonia.
Indgenas agredidos por polcia legislativa 4s6q4t
Alm disso, tambm na quinta-feira, aps marcharem at o Congresso, um grupo de indgenas que ou o gramado foi recebido com bombas de gs. Pelo menos 20 pessoas ficaram feridas, entre elas a deputada federal Clia Xakriab (PSOL-MG).
Um dia antes, durante reunio preparatria para o ato, um servidor do Itamaraty, identificado como Aldegundes Batista Miranda, teria estimulado as agresses. Durante a reunio, Miranda afirmou que era para deixar os indgenas descerem para o gramado: “Deixa descer e mete o cacete se fizer baguna”.
O Itamaraty informou que o servidor foi afastado para “apurao de responsabilidade”. O rgo tambm disse “deplorar o ocorrido” e esclareceu que Aldegundes “no foi instrudo a manifestar-se nos termos noticiados”.
Indgenas foram recebidos com bombas de gs lacrimogneo no Congresso Nacional, durante o ATL de 2025 Foto: Jullie Pereira/InfoAmazonia
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Jullie Pereira 5c2215
Reprter na InfoAmazonia em parceria com a Report for the World, que combina redaes locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questes pouco cobertas em todo o mundo. Jullie nasceu e... Mais por Jullie Pereira
Fbio Bispo 432n3g
Reprter investigativo da InfoAmazonia, em parceria com a Report for the World, que combina redaes locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questes pouco cobertas em todo o mundo. Ele... Mais por Fbio Bispo