Cientistas afirmam que a biodiversidade que produz o clima e que o clima estruturador da biodiversidade. Foto: Vincent M.A. Janssen/Pexels/Creative Commons
Salada Verde
Sua poro fresquinha de informaes sobre o meio ambiente
A gegrafa Ane Alencar doutora em Recursos Florestais e Conservao pela Universidade da Flrida (Estados Unidos) e diretora de Cincia da ong Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaznia (Ipam).
Para ela, preciso uma maior integrao da biodiversidade na agenda, debates e resultados da 30 Conferncia das Partes da Conveno das Naes Unidas sobre Mudana do Clima, a COP30, que acontecer em novembro, em Belm (PA).
“Os ecossistemas tm papel fundamental na absoro e remoo do CO2 [Dixido de carbono] da atmosfera. Evitar o desmatamento, portanto, reduz as emisses de gases de efeito estufa. E restaurar os ecossistemas resulta na reduo de carbono da atmosfera – um efeito importante de mitigao das mudanas climticas”, explicou.
J Simone Vieira, pesquisadora do Ncleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Nepam/Unicamp), ressaltou que a “biodiversidade” mencionada apenas trs vezes na carta enviada em maro comunidade internacional pelo presidente da COP-30, o embaixador Andr Corra do Lago.
“Acontece que o clima no existe sem biodiversidade. a biodiversidade que produz o clima e o clima estruturador da biodiversidade. Portanto, no possvel desconectar uma coisa da outra”, disse Simone Vieira.
Por sua vez, o professor emrito da Unicamp, Carlos Joly, recordou que h pelo menos 20 anos se discute integrar debates sobre clima e biodiversidade, uma vez que se sabe que as duas agendas precisam estar casadas.
“O Brasil no o nico pas com essa viso apartada. H outros que tambm tm emperrado a possibilidade de realizao de COPs conjuntas ou de criao de grupos de trabalho em conjunto entre representantes das diferentes convenes”, afirmou.
rgos cientficos cujas anlises sobre a situao do clima e da biodiversidade podem embasar decises polticas, o Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Servios Ecossistmicos (IPBES) produziram relatrios evidenciando como as duas agendas so imbricadas.
“No entanto, o relatrio precisava ser acatado nas plenrias pelos pases e o Brasil se ops aprovao do documento, porque juntava os dois temas. O Brasil autorizou o ‘take note’, ou seja, reconheceu que o documento existe, mas o encaminhou para a prateleira”, relatou Joly.
Esses e outros pesquisadores participaram da conferncia “Contribuies para a COP-30: A Biodiversidade na Agenda Climtica”, realizada em 28 de maro e dentro de uma srie de encontros organizados este ano pela FAPESP (Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo).
*Com informaes de Maria Fernanda Ziegler, Agncia Fapesp.
Hidrovia trar mais desmate, agro e minerao ao Pantanal e ao Cerrado 10735n
Tais atividades tambm sero estimuladas por outras obras para exportar e importar commodities, como a do corredor biocenico
Intervenes querem tornar o Rio Paraguai navegvel o ano todo para azeitar a exportao de commodities minerais e agropecurias. Foto: Governo do MS/Divulgao
Grandes obras de infraestrutura estimularo mais desmate, agronegcio e minerao no Pantanal e no Cerrado. Fontes avaliam igualmente que dragagens de rios sero mais caras e frequentes sem frear a sedimentao excessiva na Bacia do Alto Paraguai.
Com sua concesso ao setor privado prevista para este ano pelo Governo Federal, a hidrovia no Rio Paraguai facilitar o escoamento da produo e aquecer economias destruidoras da vegetao nativa. Isso tambm ser estimulado pelo Corredor Biocenico, de Santos (SP) a Campo Grande (MS) e ao Chile, s margens do Pacfico.
“Haver mais presso para converter reas naturais sobretudo para o agronegcio, como de soja, milho e carne”, projeta Stefania de Oliveira, coordenadora tcnico-cientfica da ong Instituto Socioambiental SOS Pantanal.
“ uma presso que ocorrer no Brasil e nos pases vizinhos”, lembra a doutora em Cincias pela Universidade de So Paulo (USP) e pesquisadora associada na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Ambas as estruturas logsticas podem encolher custos financeiros e tempo no transporte de itens agropecurios e minerais. Estradas e ferrovias do corredor devem encurtar em 2 semanas a chegada do comercializado pelo Pacfico, em relao ao despachado por Santos (SP).
De olho em vantagens como essas, a minerao seria uma das maiores fontes de presso para tornar o Rio Paraguai navegvel o ano todo, pontua a pesquisadora da Embrapa Pantanal cedida ao Ministrio Pblico Federal (MPF) no Mato Grosso do Sul, Dbora Calheiros.
“A navegao sempre ocorreu, mas respeitando os meses de cheias e de secas do manancial”, lembra a tambm doutora em Cincias pela USP. “Agora, querem ‘privatizar’ o rio para explor-lo ao mximo”, diz.
Uma das interessadas na navegao perene no Rio Paraguai a LHG, que extrai minrio de ferro e mangans em Corumb. Ela ligada ao Grupo J&F, dos irmos Joesley e Wesley Batista. Outras mineradoras atuam na bacia pantaneira, como vem mostrando ((o))eco.
Conforme declaraes do deputado estadual Paulo Duarte (PSB) apuradas por ((o))eco, a expanso do setor reverter aos cofres municipais at R$ 120 milhes ao ano, correspondentes a 12% do oramento anual de Corumb. O Grupo J&F no se pronunciou at a publicao desta reportagem. O espao segue aberto.
Minerao de ferro no municpio de Corumb (MS). Foto: SEMADESC/MS / Divulgao
Seca planejada 711i3a
Os previstos mais de 30 pontos de dragagens contnuas, remoo de rochas e retificao de curvas no Rio Paraguai iro acelerar a sada de gua e arriscam acabar com as cheias e vazantes no Pantanal todo, no s junto aos 600 km da hidrovia, de Corumb a Porto Murtinho, na fronteira com o Paraguai.
“No h estudos cumulativos sobre o que isso causar no bioma”, ressalta Dbora Calheiros (Embrapa/MPF).
Frente ao cenrio, Stefania de Oliveira (SOS Pantanal) avalia que o sistema fluvial ser duramente atingido pelas aes no rio somadas a planos como mais hidreltricas em cursos d’gua rumo ao Pantanal. “Desconsiderar a escala da Bacia uma grande lacuna nos projetos e estudos [de infraestrutura]”, diz.
A regio tem ao menos 55 usinas de pequeno a grande portes j operando, duas em construo e outras 70 em estudos, conforme levantamentos da Associao Brasileira de Gerao de Energia Limpa (Abragel) e do Observatrio do Pantanal.
Na prtica, quem levar a concesso hidroviria dever apresentar estudos de impacto para sua licena ambiental. Como o Rio Paraguai federal, corta mais de um estado, o processo ar pelo Ibama.
A autarquia informou que, aps receber os estudos, ter at um ano para analis-los, realizar audincias pblicas e emitir um parecer sobre as intervenes no Rio Paraguai. “O prazo total para a concluso do processo pode se estender alm dos 2 anos”, destacou.
O Ibama destacou, ainda, que negou pedidos para dragagens emergenciais, “tendo em vista a necessidade de cumprir rigorosamente os critrios tcnicos e ambientais exigidos para a proteo do ecossistema do Pantanal e da Bacia do Paraguai”.
A rica biodiversidade pantaneira ser uma das grandes prejudicadas pelas obras e outras intervenes ao longo do Rio Paraguai. Foto: Aldem Bourscheit / O Eco
Contudo, esse caldo teria mais ingredientes. Entidades civis pediram ao MPF (Ministrio Pblico Federal) que faa valer uma deciso de agosto ado, do Superior Tribunal de Justia (STJ), para que estudos sobre a hidrovia pesem impactos ao longo de todo o trecho brasileiro do Rio Paraguai.
“Se isso no acontecer, empresas que adentrarem o edital podem ser alvo de insegurana jurdica”, analisa Dbora Calheiros (Embrapa/MPF).
Atender recomendao judicial tambm reduziria impactos sobre a conservao da biodiversidade e sobre as pessoas que mais dependem da sade ambiental pantaneira, como pescadores, extrativistas, indgenas e ribeirinhos.
“Tambm podem ser afetados o turismo, o abastecimento hdrico e servios ecossistmicos como a regulao do clima e a manuteno da qualidade do solo, atingindo o prprio agronegcio”, lembra Stefania de Oliveira (SOS Pantanal).
Pesando tudo isso, o presidente do Instituto Agwa, ong baseada em Campo Grande (MS), Nelson Arajo, pondera que alterar o regime hdrico pantaneiro ser uma irresponsabilidade bem maior que as pretenses de governos e setor privado para abertura da hidrovia.
“No acredito que isso seja permitido, mas, se for, quem responder por isso">