leo extrado da Cannabis usado em tratamento de vrias doenas (Imagem: YouTube/Reproduo)
Por Leandro Aguiar, da Agncia Pblica 57g6k
SO PAULO – Brbara Mello, de 25 anos, moradora de Diadema, regio metropolitana de So Paulo, a me de Maria Clara, que completou 3 anos em 2024. Em seus primeiros dias de vida, a menina teve a primeira convulso. ou nove meses internada, uma srie de exames foi feita e os mdicos tentaram diferentes medicaes para controlar as crises: barbitricos, benzodiazepnicos e anticonvulsivantes, muitos de alta potncia, os chamados “tarja preta”. Nenhum surtiu efeito por muito tempo, at comear a se tratar com a maconha medicinal.
Maria Clara chegava a ter 20 crises por ms, algumas com durao de 45 minutos. Durante as crises mais severas, o Samu (Servio de Atendimento Mvel de Urgncia) tinha de ser acionado, pois a beb precisava ser levada ao hospital para que seu quadro estabilizasse. Em maio de 2024, Maria Clara foi diagnosticada com uma epilepsia de difcil controle, decorrente da sndrome de Lennox-Gastaut. Como os tratamentos convencionais fracassaram, a mdica receitou a Maria Clara um medicamento base de canabidiol, um dos derivados da planta cannabis, a popular maconha.
medicao custaria R$ 1,2 mil mensais. Brbara no trabalha fora de casa, pois a o dia cuidando da filha, e no teria condies de arcar com a despesa. Graas a uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de So Paulo no incio de 2023, implementada em junho de 2024, Maria Clara foi uma das primeiras crianas a receber o canabidiol gratuitamente pelo SUS (Sistema nico de Sade). Desde ento, suas crises diminuram bastante: no ltimo ms, teve apenas uma. Mas o o gratuito de Maria Clara medicao exceo, e no regra.
Segundo a Secretaria de Estado de Sade de So Paulo, at o momento apenas 255 pessoas receberam produtos base de canabidiol via SUS paulista, que s fornece o medicamento para os portadores de trs doenas raras: as sndromes de Dravet, de Lennox-Gastaut e o complexo da esclerose tuberosa.
Outros quadros, como os de pacientes quimioterpicos, portadores de dor crnica e Alzheimer, por exemplo, no foram contemplados pela lei paulista. Nesses casos, a sada obter o remdio com recursos prprios, processar o estado para receb-lo pelo SUS ou recorrer a alguma das associaes voltadas produo de medicamentos base de cannabis que forneam o produto a preo mais vel ou gratuitamente para pessoas de baixa renda.
“Ela t bem mais esperta e ativa. Hoje consegue sentar e brincar, o que antigamente no acontecia – ela era bem dispersa, no concentrava em nada”, comemora Brbara.
O que a maconha medicinal
A cannabis, popularmente conhecida como maconha, o nome cientfico do gnero de plantas do qual se extraem os canabinoides, cujos efeitos medicinais vm sendo estudados pela cincia. Os mais conhecidos desses canabinoides so o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabidiol (THC).
Justia rejeita pedidos
A base de dados e-NatJus, do CNJ (Conselho Nacional de Justia), d uma ideia da procura, pela via judicial, dos medicamentos derivados da cannabis. Somente em So Paulo, entre 2021 e 2024, 279 famlias processaram o estado ou planos de sade para conseguir o remdio – e apenas 44 obtiveram ganho de causa. Em todo o Brasil, foram ao menos 2.050 processos, com 257 desfechos favorveis aos pacientes.
“Esses casos, em geral, envolvem pessoas de baixa renda”, explicou Agncia Pblica o advogado e professor da Universidade de So Paulo (USP) de Ribeiro Preto Elton Fernandes, 41 anos, especialista em litgios na rea da sade. Ele atua ainda em contendas contra planos de sade privados, que tambm dificultam o o cannabis medicinal. “A judicializao o caminho de quem quer ar o CBD”, avalia.
A flor de cannabis usada para o alvio de doenas crnicas, como epilepsia e fibromialgia (Foto: Divulgao)
Os processos, porm, costumam levar tempo, que, para determinados pacientes, um bem escasso. Uma deciso liminar favorvel pode demorar um ms, via plano de sade, ou vrios meses, quando o processado o SUS. No entanto, a liminar tem carter provisrio – uma deciso definitiva da Justia tarda s vezes mais de dois anos.
Mesmo assim, diz Fernandes, as chances de vitria so razoveis apenas para pacientes oncolgicos, em que j existe um entendimento da Justia a favor. Para outras condies de sade, diz o advogado, “no h ainda um conjunto de decises favorveis liberao de canabidiol”.
Segundo dados da Kaya Mind, startup especializada em dados referentes maconha, h cerca de 430 mil pessoas no pas que utilizam o medicamento.
O deputado estadual Caio Frana (PSB), autor da lei que incluiu a cannabis medicinal no SUS paulista, disse Pblica que seu projeto de lei era inicialmente mais abrangente, no se limitando a patologias especficas.
Frana explicou que, por ocasio da regulamentao da lei, sociedades mdicas alegaram “no ter encontrado indicaes claras para aplicao dos canabinoides em uma srie de doenas cujos pacientes j fazem uso da cannabis medicinal e vm apresentando resultados surpreendentes”. Por consequncia, “muitos artigos foram vetados no momento da sano pelo governador [Tarcsio de Freitas]”, lamenta.
Em outubro de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resoluo em que restringia a prescrio da cannabis medicinal justamente aos casos contemplados pela lei paulista. Em razo da repercusso negativa da medida, a resoluo foi temporariamente suspensa poucos dias depois. Questionado pela Pblica, o CFM no deu uma previso de quando uma nova norma sobre o tema ser publicada.
No entanto, o deputado Caio Frana disse que a Secretaria de Sade no exclui a possibilidade de, neste ano, incluir pacientes com outras epilepsias e pessoas no espectro autista no rol dos beneficiados com a cannabis medicinal no SUS. A reportagem questionou a Secretaria de Sade, que no respondeu at a publicao da reportagem.
O governo federal no elaborou ainda uma poltica nacional para a incluso da cannabis medicinal no SUS, embora iniciativas isoladas tenham despontado em alguns estados brasileiros. Questionado pela reportagem, o governo federal confirmou ainda no ter a poltica e explicou que h longo processo burocrtico para incluso de medicamentos no SUS.
A Lei Ptala, aprovada na Assembleia Legislativa do Paran em maro de 2023 e regulamentada no fim do ano ado, uma dessas iniciativas. Como a legislao paulista, ela restritiva: apenas pessoas diagnosticadas com esclerose mltipla esto aptas a receber a cannabis medicinal pelo SUS paranaense. Uma lei semelhante foi aprovada em dezembro do ano ado em Santa Catarina, mas, como ela ainda no foi regulamentada pelo Executivo, no se sabe quais sero as condies para o o medicao.
Helen Arajo, 22 anos, vive em Belo Horizonte, onde no h legislao a respeito do fornecimento da cannabis medicinal pelo SUS. Aos 16, ela sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) – e, nos anos seguintes, enquanto recuperava a fala e os movimentos, desenvolveu um quadro grave de depresso e ansiedade. Depois de internaes e remdios que no fizeram efeito, em 2022 um mdico lhe receitou o leo base de cannabis. O valor era invivel para ela: importado, o remdio custaria R$ 600 por ms.
Foi quando ela conheceu a Flor da Vida, uma das diversas associaes teraputicas brasileiras que produzem remdios base de maconha, alm de oferecer acompanhamento mdico aos associados. Para pessoas de baixa renda, como Arajo, a Flor da Vida fornece a medicao mais barata e, em certos casos, gratuitamente.
Fundada em 2019, a Flor da Vida tem um salvo-conduto do Tribunal de Justia de So Paulo para cultivar maconha e produzir medicamentos a partir da planta. Nos ltimos anos, o Superior Tribunal de Justia tambm vem proferindo decises favorveis nessa rea – desde 2020, o tribunal j concedeu mais de 400 autorizaes de cultivo de cannabis para pessoas fsicas e jurdicas.
“Depois de quatro anos numa cadeira de rodas, a medicao mudou a minha forma de ver a vida. A maconha medicinal me deu a fora para melhorar a minha parte mental, e a partir da pude evoluir na parte fsica – hoje consigo andar, falar e at dar entrevistas”, conta Arajo, que agrega: “Sem a associao, eu duvido que chegaria aonde cheguei”.
Atualmente, o objetivo dela conseguir um habeas corpus para poder cultivar maconha e produzir ela mesma seu leo. Quem lhe d assessoria jurdica gratuita nessa empreitada a Rede Reforma, um coletivo de advogados que busca reverter as “injustias provocadas pela atual poltica de drogas no Brasil”, conforme informa em seu site.
Guerra contra a maconha
Uma das advogadas que compem a Rede Reforma Gabriella Arima, 31 anos. Ela vive no estado de Nova York, nos Estados Unidos, onde conclui um mestrado em direito, pesquisando a legislao relativa maconha do pas estrangeiro. Para Arima e os demais integrantes do coletivo, a regulamentao em curso da cannabis medicinal precisa levar em conta as populaes historicamente penalizadas pela Lei de Drogas.
Quem foi processado ou preso por trfico, seus parentes e os que vivem em regies assoladas pela guerra s drogas, defende a advogada, deveriam ter prioridade no o gratuito s medicaes e merecem usufruir do mercado que gira em torno dos derivados da cannabis – que, neste ano de 2025, dever movimentar R$ 1 bilho no Brasil, estima a Kaya Mind, empresa especializada no setor, no “Anurio da Cannabis Medicinal 2024”.
“No existir uma regulamentao justa se ela no ar pela reparao a quem foi marginalizado, morto e preso por conta da poltica de drogas”, diz Arima. A advogada cita um nmero bem conhecido: o Brasil tem a terceira maior populao carcerria do mundo, algo em torno de 660 mil pessoas, e quase metade delas foi processada no escopo da Lei de Drogas. O perfil dos condenados tambm conhecidssimo: jovens, negros e pobres.
Quem se encaixa nesse perfil o jornalista Luan Cndido, 44 anos. Preso por trfico de drogas em 2017, Cndido prestou o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) ainda no presdio, saindo em liberdade trs anos depois. Hoje responsvel pela comunicao e captao de recursos de diferentes movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos em Minas Gerais e milita pela legalizao da maconha. Em novembro ado, em So Paulo, participou da cobertura jornalstica da Expocannabis, em que diversas empresas expam seus produtos derivados da planta. O perfil dos empreendedores observado por Cndido, no entanto, era bem outro: a maioria era jovem tambm, mas em geral ricos e brancos.
“Hoje a maconha proibida, mas existe um contexto legal de uso medicinal. Isso cria uma situao paradoxal: ao mesmo tempo, h pessoas ganhando muito dinheiro com a produo dos derivados da cannabis e outras criminalizadas pela distribuio da maconha”, diz.
O objetivo do comunicador, que, a partir dos coletivos antiproibicionistas, tem se articulado com as vereadoras belo-horizontinas Cida Falabella e Iza Loureno, ambas do PSOL, na proposio de um projeto de lei para o fornecimento gratuito da cannabis medicinal na cidade promover a transio das pessoas consideradas pela lei como traficantes para o mercado legal da maconha medicinal.
Em associaes como a Flor da Vida, essa transio j est acontecendo. Ela conta com 72 funcionrios, entre cultivadores, psiclogos, assistentes sociais, fonoaudilogos, enfermeiros, mdicos, qumicos e advogados, que atendem a quase 20 mil associados. Um quarto desses funcionrios formado por pessoas processadas pela Lei de Drogas e mes de presos.
Todo o processo para a produo da cannabis medicinal, desde a plantao ao tratamento laboratorial, feito na Flor da Vida, sediada em Franca (SP). Para associar-se, basta uma receita mdica indicando a necessidade do uso do remdio – no h discriminao de patologias. Uma taxa mensal cobrada, que varia de acordo com a condio financeira do paciente e a dosagem da medicao. Pessoas em situao de vulnerabilidade social so isentas da cobrana.
Na contramo desse processo de regulamentao do uso da cannabis e da reparao s populaes perseguidas pelo comrcio da planta, o Senado aprovou, em abril do ano ado, a PEC 45, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD), que pretende tornar “crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas”, e poderia dificultar o o aos salvos-condutos (habeas corpus) de cultivo. A medida foi uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que havia definido na mesma poca um limite de 40 gramas para diferenciar os usurios dos traficantes da maconha. A PEC 45 est agora na Cmara dos Deputados, aguardando deliberao.
Para o deputado estadual Caio Frana, porm, a regulamentao do uso da maconha, ao menos da medicinal, uma tendncia que no ser revertida. “Ela est em todas as rodas de conversa. As pessoas falam com naturalidade de uma planta que nunca deveria ter sido estigmatizada justamente por ser uma planta, um fitoterpico. Entendo que uma questo de tempo a ampliao do atendimento a outras enfermidades”, conclui o deputado.
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