As imagens de atletas e espectadores sofrendo sob o calor extremo de Paris durante os Jogos Olmpicos tomaram conta do noticirio na ltima semana. No dia 30, a temperatura na capital da Frana chegou a 35C, acompanhando a onda de calor que atingiu a Europa Ocidental e Mediterrnea. O cenrio uma pequena amostra do calor recorde registrado em diversos pases em julho, que, segundo o observatrio europeu Copernicus, j teve os dois dias mais quentes da histria. O ms de julho foi o segundo mais quente j registrado, perdendo apenas para julho de 2023.

Na semana ada, atletas olmpicos que competiam nas provas de vela vestiram coletes de gelo para tentar amenizar o calor, enquanto mangueiras borrifavam gua no pblico que acompanha os jogos de vlei de praia. Como mostrou um estudo da Rede Mundial de Atribuio (WWA, na sigla em ingls), a onda de calor que atingiu o mediterrneo seria impossvel sem as mudanas climticas causadas por aes humanas.

O estudo, publicado no dia 31 de julho, apontou que eventos de calor extremo como o registrado em julho no Mediterrneo – que atingiu o Marrocos, deixando 21 pessoas mortas, e tambm Grcia, Espanha, Itlia e Portugal, alm da Frana – j no so mais raros, e devem ocorrer ao menos uma vez a cada dez anos com o clima atual (1,3C mais quente, na comparao com a mdia pr-industrial de 1850 a 1900). Sem as mudanas climticas, a temperatura durante a onda de calor teria sido cerca de 3C mais baixa, apontou a anlise.

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Publicados nesta quinta-feira (8), os dados do observatrio climtico Copernicus, da Unio Europeia, confirmaram que a temperatura mdia do ar prximo superfcie terrestre em julho de 2024 foi de 16,91C. A cifra apenas 0,04C abaixo da mdia de julho de 2023, o ms mais quente j registrado, e faz do do ms ado o segundo mais quente da histria. Os dados de junho de 2024 encerraram, assim, a sequncia de 13 meses consecutivos com as temperaturas mais altas j registradas para cada mdia mensal.

Os 16,91C de julho deixaram a mdia do ms 0,68C acima da mdia do ms no perodo de 1991 a 2020 e 1,48C acima da mdia para o ms no perodo pr-industrial (1850-1900). Ainda que tenha ficado atrs de 2023 – cujo vero, cabe lembrar, intensificado pelas mudanas climticas foi turbinado pelo fenmeno El Nio, que deixou de ser registrado em junho deste ano –, 2024 registrou os dois dias mais quentes da histria recente. Os dias 22 e 23 de julho tiveram temperaturas mdias globais de 17,16C e 17,15C, respectivamente, superando o recorde estabelecido apenas um dia antes (17,09C, de 21 de julho) e tambm o at ento vigente, de 6 de julho de 2023 (17,08C).

Foto: Reproduo

Entre agosto de 2023 e julho de 2024, a temperatura mdia global ficou 1,64C acima da mdia pr-industrial e 0,76C acima da mdia dos ltimos 30 anos (1991-2020). Segundo o Copernicus, provavelmente o ano de 2024 ser mais quente que o de 2023, mesmo que a temperatura mdia de julho tenha sido menor: “A anomalia de temperatura global do ano at agora (janeiro-julho) de 0,70C acima da mdia de 1991-2020, 0,27C mais quente que o mesmo perodo em 2023. A mdia de anomalia para os meses restantes do ano teria que cair ao menos 0,23C para que 2024 no seja mais quente que 2023”, diz o comunicado do observatrio.

A temperatura da superfcie dos oceanos em julho foi de 20,88C, o segundo valor mais alto para o ms. Ficou atrs apenas de julho de 2023, por 0,01C. “O [oceano] Pacfico Equatorial registrou temperaturas abaixo da mdia, indicando o desenvolvimento do fenmeno La Nin, mas as temperaturas do ar acima do oceano permaneceram anormalmente altas em vrias regies”, afirmou o Copernicus.

Na quarta-feira (7), a Organizao Meteorolgica Mundial (WMO, na sigla em ingls) tambm apresentou um panorama sobre as altas temperaturas em julho com informaes sobre alguns pases. “O calor extremo atingiu centenas de milhes de pessoas ao longo de julho, com um efeito domin sentido em toda a sociedade”, escreveu no comunicado. O Japo teve a temperatura mdia mensal mais alta para julho desde 1898, quando os registros comearam. O termmetro marcou 2,16 C a mais do que a mdia de julho para o perodo de 1991 a 2020 no pas, o que superou o recorde de 2023. Segundo a Agncia Meteorolgica do Japo, o calor severo deve continuar em agosto.

A China, com dados desde 1961, e o Bahrein, com registros desde 1902, tambm tiveram o julho mais quente da histria. O Bahrein marcou 2,3 C a mais na mdia para o ms. Na ndia, o ms ado foi o segundo julho mais quente nos registros iniciados em 1901. Por outro lado, as temperaturas mnimas noturnas foram as mais altas j registradas. Na Amrica do Sul, onde inverno, alguns pases tiveram temperaturas de vero. Os termmetros marcaram temperaturas acima de 30 C, e at acima de 35 C, em regies do Brasil, Bolvia, Paraguai, Uruguai e Argentina.

Foto: Reproduo

Como destacou recentemente em entrevista o climatologista pioneiro Carlos Nobre, o calor sem precedentes escala acima do que previam os modelos climticos. A persistncia das altas temperaturas mesmo aps o fim do El Nio – que, sozinho, no explicaria os recordes batidos – coloca a humanidade diante de um cenrio novo, de aumento de temperaturas ainda sem explicao pelos modelos vigentes.

O alerta de Nobre vai na mesma direo da previso feita pelo climatologista britnico Gavin Schmidt, chefe do Centro Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, em artigo de opinio publicado na revista cientfica Nature em janeiro deste ano. Discutindo o calor recorde de 2023, Schmidt apontou como nenhum dos fatores conhecidos – como a erupo de vulces ou a reduo de aerossis, poluentes que atenuam temporariamente as temperaturas por formarem uma barreira radiao solar – e nenhuma sobreposio desses fatores seria suficiente para explicar temperaturas to elevadas, especialmente nos oceanos, antes mesmo do incio do El Nio.

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Para o climatologista, a hora da verdade seria justamente o segundo semestre de 2024, aps o encerramento do fenmeno: caso o clima no se estabilizasse a partir de agosto deste ano, a hiptese seria de que o mundo estaria entrando em um “territrio desconhecido”, com a crise do clima empurrando o sistema climtico a operar de maneira fundamentalmente diferente do que se sabia at ento. Os dados do ltimo ms, e a persistncia de temperaturas elevadas em agosto em vrias partes do planeta – como na sia e na Amrica do Norte – parecem fortalecer ainda mais essa hiptese.

Fonte: O Eco